“A precariedade da saúde mental de quem ocupa o espaço escolar não é novidade”
Edição: Vitor Diel
Arte: Giovani Urio
Escrevo este texto na semana que antecede a volta às aulas na instituição onde trabalho. Lembro-me bem deste período no ano passado, quando, depois de dois anos de aulas remotas, voltei presencialmente para a escola, com muitas máscaras e álcool gel na mochila, num misto de “Ufa! Que bom, bora lá!” e “Será que consigo dar aula de máscara?”. Com o passar do ano letivo, tirei de letra a função da máscara, mas fui percebendo um sentimento que crescia, não só nas salas de aula, mas também nas conversas com outras/os educadores, no convívio com ex-estudantes: uma ansiedade generalizada tratada como um sofrimento individual.
A precariedade da saúde mental de quem ocupa o espaço escolar não é novidade. Em 2022, voltamos às aulas mais uma vez ávidos, como em todo o início do ano letivo, e conscientes, sabendo do compromisso de recompor a aprendizagem (e aqui chamo de aprendizagem as rotinas, os vínculos afetivos, não somente os conteúdos). O que tivemos foi uma saída individualizada, cada professor/a na sua sala de aula, quebrando a cabeça pensando como fazer e afundando nas demandas que se intensificaram, o que levou muitos e muitas a um adoecimento e cansaço muito maior do que ocorrera em anos anteriores. O que não tivemos foi uma política pública coordenada pelos governos com o propósito de garantir a aprendizagem dos e das estudantes, respeitando quem está no dia a dia da educação.

Voltamos às salas de aula sem um projeto coletivo de educação que pudesse promover tanto a saúde física e mental da comunidade interna das instituições quanto outros aspectos que envolvem a adaptação curricular e das práticas pedagógicas, estudos diagnósticos junto às comunidades, delineamento de estratégias coletivas para a aprendizagem, trocas e compartilhamento de trajetórias e experiências, formação docente, acesso a materiais, entre outros.
É preciso dizer que não se trata de uma ausência dos governos ou de falta de recursos, mas sim de um projeto neoliberal que foi apressado pela pandemia e está consolidado nas instituições escolares: o de adoecimento dos profissionais da educação e da juventude brasileira, com intuito de esvaziar os debates de um projeto de formação humana que contraponha essa lógica e busque saídas coletivas para problemas coletivos.
Espero que, em 2023, quando os ventos sopram um pouco mais favoráveis, possamos estar mais saudáveis, e assim nos fortalecermos para lutarmos juntos e juntas.


Ana Paula Cecato é graduada e mestra em Letras e professora de Letras – Português/Inglês do IFRS – Campus Rolante. Fez parte da equipe da Área Infantil e Juvenil da Feira do Livro de Porto Alegre, trabalhando na curadoria da programação, nos programas de incentivo à leitura e na formação de mediadores de leitura. Coordena o projeto de extensão Contantes. Foi jurada do Prêmio Jabuti em 2019 na categoria Fomento à Leitura. Foto: Acervo pessoal.
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