Heroísmo na vilania

“Aqui no mundo real, nesta Gotham City tropical do século XXI, o bandido vence com a conivência dos apolíticos, dos piadistas de urna eletrônica e dos ultraconservadores desiludidos”

Edição: Vitor Diel
Arte: Giovani Urio sobre WB/Divulgação

Um homem de passado sombrio é apresentado como o candidato da renovação para o mais alto posto do Poder Executivo numa campanha eleitoral carregada de manipulação, associações criminosas, corrupções e obscuros interesses capitalistas. Essa é a jornada do Pinguim no filme Batman Returns, de 1992. Na ficção, o vilão é derrotado quando suas intenções e estratagemas são expostos ao público. Aqui no mundo real, nesta Gotham City tropical do século XXI, o bandido vence com a conivência dos apolíticos, dos piadistas de urna eletrônica e dos ultraconservadores desiludidos — pessoas de discernimento comprometido que veem heroísmo na vilania.

E se Pinguim tivesse conquistado o cargo de prefeito de Gotham? Que sociedade haveria ao final de seu mandato? Certamente, uma sociedade mais belicosa, mais corrupta, mais individualista, mais desigual e com mais privilégios aos amigos do rei. O ricaço traumatizado, caprichoso e fetichista que pula de telhado em telhado obedecendo a noções muito próprias de justiça social é parte do problema e não da solução. Também por isso, a Mulher-Gato segue sendo a personagem mais interessante da narrativa. Uma mulher da classe trabalhadora que incorpora a rebeldia às opressões de gênero e a recusa à submissão. Mata o chefe capitalista, manipula o vilão, sai no soco com o órfão playboy e, dessa forma, torna evidente que as leis e as estruturas, como estão postas, existem para a proteção da burguesia e do patriarcado e para o exercício do controle sobre os indivíduos da classe trabalhadora.

Michelle Pfeiffer e Danny DeVito em Batman Returns. Crédito: WB/Divulgação

O bandido, político de ocasião e permanentemente corrupto, no final do filme, foge para o esgoto, sua residência original. Lá, é morto e afunda na água suja. Assim, sua jornada é encerrada: encoberta sob o fedor e o lodo que o nutriu por muito tempo, e envolto no luto de seu exército de pinguins-bomba.

Trinta anos depois, eis-nos aqui, buscando espelhos numa obra hollywoodiana de outrora, um universo narrativo alimentado por fantasias e absurdos que oferecem um lugar seguro para o exercício da imaginação. O que o leitor imagina e internaliza a partir de uma obra pertence exclusivamente a sua dimensão particular e é exatamente por isso que a ficção se presta à reflexão sobre o mundo. Em 1992, Batman Returns serviu para mim — e ainda serve ao levantar a pergunta: que fim terá o nosso Pinguim?

Vitor Diel, jornalista e editor de Literatura RS

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