Produção de conteúdo de ódio

“Discursos que revelavam uma suposta doutrinação comunista e que pregavam proteção a crianças de ameaças inexistentes romperam seus espaços de origem e nutriram debates em diversos setores da sociedade”

Edição: Vitor Diel
Arte: Giovani Urio

Quem trabalha com a economia criativa e circula por espaços de cultura pôde perceber nitidamente, a partir de 2016, a súbita onipresença de integrantes do Movimento Brasil Livre (MBL) nos eventos, com rapazes empenhados em dominar o turno de fala e constranger público, convidados e patrocinadores. Bate-papos sobre literatura, artes, palestras gratuitas com escritores, grandes eventos de cultura, a partir daquele ano, começaram a presenciar sujeitos com celulares em punho filmando a plateia e produzindo conteúdo para as redes de extrema direita, denunciando supostos incentivos à pedofilia e coisas do tipo.

Essas estratégias de opressão, mentira, manipulação e constrangimento foram, na época, importantes instrumentos para que os valores que conduzem os ideais da extrema direita penetrassem rapidamente campos além de suas bolhas — e as redes sociais tiveram um papel fundamental nesse processo. Discursos que revelavam uma suposta doutrinação comunista e que pregavam proteção a crianças de ameaças inexistentes romperam seus espaços de origem e nutriram debates em diversos setores da sociedade.

Naquele mesmo ano, não por coincidência, Dilma foi derrubada para que Temer pudesse salvar a si mesmo e os seus da Lava Jato, aproveitando-se de fragilidades internas do governo de então. Para construir apoios sólidos em torno de si por parte do capital, ele entregou o Ponte para o Futuro, um programa de radicalização neoliberal que estava na gaveta esperando a hora para ser aplicado e que era refutado pelas urnas desde 2002. Os soldados do MBL, com seus celulares, suas redes sociais e muito dinheiro, estrutura natural dos Think Tanks contemporâneos, fizeram o trabalho sujo de conduzir os desejos da classe trabalhadora em uma direção que fosse oposta aos seus próprios interesses e para a satisfação dos desejos dos mais ricos. Os resultados disso são perceptíveis na vida da maior parte dos brasileiros agora, em 2022.

Ao contrário do que muito se comenta, o atual Presidente da República não é uma excrescência política, mas a continuidade do mesmo projeto neoliberal que na década de 80 foi representado por Margareth Thatcher e Ronald Regan. A incapacidade de interpretar os movimentos e os anseios populares, a preferência por um governo de força e não de diálogo, o éthos individualista, a negação da realidade material como ela se apresenta, o estado policialesco e repressivo: está tudo lá, como está na cabeça de qualquer neoliberal. Ou seja, nosso problema é estrutural, ainda não acabou e não vai acabar com a saída de Bolsonaro do Palácio do Planalto.

Por isso, a saída é só uma: disseminação da consciência de classe entre os nossos, um trabalho que deve ser feito não só com palavras e leituras, mas com uma maneira de agir socialmente que penetre as camadas da subjetividade dos indivíduos da classe trabalhadora brasileira, tão profundamente contaminada pelos valores neoliberais.

Para saber mais o que são, como funcionam e para que servem os Think Tanks, recomendamos este vídeo. Precisamos estar alertas quanto a essas organizações porque sem dúvida elas já estão elaborando novas estratégias pós-eleição de 2022.

Vitor Diel, jornalista e editor de Literatura RS

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