Programação ocorreu no dia 14 de outubro, em Porto Alegre
Edição: Vitor Diel
Arte: Giovani Urio sobre foto de Alexandro Auler/Divulgação
“Para concorrer com a Amazon, preciso oferecer diferenciais como a pronta-entrega, pontuação por compras e participação em ações sociais”. A declaração foi feita por Elisabete Lovatel, livreira da Livraria Vanguarda que apresentou o painel “Vamos tornar a leitura um hábito?”, atividade de abertura do Seminário O Negócio do Livro, ocorrido na sexta-feira, 14 de outubro, das 10h às 18h, na Sala Sergio Napp da Casa de Cultura Mario Quintana, em Porto Alegre. O seminário foi uma iniciativa do Clube dos Editores do RS em parceria com RS Criativo, Instituto Estadual do Livro , Gráfica Pallotti e Literatura RS.
Em seu turno de fala, a empresária apresentou as ações que têm feito a Vanguarda, livraria sediada em Pelotas, um destaque do ramo. Entre os movimentos que a diferenciam, segundo Elisabete, estão ações sociais de integração com a comunidade, como a hora do conto semanal em uma de suas filiais, a campanha de cartinhas de Natal e o engajamento de clientes em compras de livros a serem doados em escolas da região.

Segundo a livreira, a Vanguarda participa desde 2019 da lista dos mais vendidos da PublishNews e Veja, iniciativa que é contemplada pelos dois pilares sobre os quais a empresa se sustenta: organização e inovação.

Em seguida, o analista de negócios do Instituto Pesquisa de Opinião (IPO) Jonathan Sant´Ana apresentou os resultados da pesquisa de hábitos de leitura realizada no Rio Grande do Sul, que apontou a região de Uruguaiana na liderança, com 65,2% dos entrevistados adeptos à leitura frequente. Em segundo lugar, ficou a região de Ijuí, com 55,9%, seguida de Passo Fundo, com 51,2%. Segundo o pesquisador, os números indicam que o hábito de leitura é mais acentuado em regiões de pólos universitários — provavelmente em função dos livros didáticos e técnicos.
A pesquisa atestou também que 72,2% dos entrevistados que alegam manter a leitura como hábito ganham acima de seis salários mínimos, 74,3% tem ensino superior e 53,4% pertence ao sexo biológico feminino. Segundo Jonathan, os números indicam que “o livro deve ser entendido como uma ferramenta de transformação social”.

A manhã seguiu com a apresentação de Tarson Núñez sobre a pesquisa “Setor editorial no RS: evolução recente e tendências”, realizada pelo Departamento de Economia e Estatística do Rio Grande do Sul. De acordo com os dados levantados, o setor editorial brasileiro tem 1.296 editoras e 25.210 postos de trabalho — no Rio Grande do Sul, estes números correspondem a 231 e 892, respectivamente. As fontes foram o cadastro de empresas do IBGE, além de pesquisas e relatórios sobre o setor.
Segundo o pesquisador, o mercado do livro brasileiro tem tamanho semelhante ao espanhol, porém menor que o argentino: em 2021, foram produzidos 391 milhões de exemplares de livros e mais de 48 mil títulos — sendo que 218 milhões de exemplares foram vendidos para o governo, venda esta que tem impacto direto e proporcional nas vendas para o público geral.
As vendas em livrarias físicas correspondem a 30% do total e as vendas em comércio on-line, a 29,9% — percentual que apresenta crescimento acelerado desde 2016, quando equivalia a apenas 2,4%. Ainda assim, no período 2006 a 2020, o setor editorial teria encolhido 19% no Brasil e 28,4% no Rio Grande do Sul. Já a indústria gráfica brasileira perdeu 50% dos empregos entre 2009 e 2020. Estes percentuais colocam o Rio Grande do Sul na quinta posição nacional no quesito número de empresas no setor editorial, atrás de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Paraná. Segundo o pesquisador, o censo de 2010 identificou que 1.300 pessoas identificaram a escrita como meio de sustento no Rio Grande do Sul.
A apresentação foi concluída com uma radiografia da cadeia produtiva do livro. Segundo Tarson, melhor distribuição de renda no Brasil aumenta o potencial consumidor do setor; há uma evidente resiliência do mercado editorial gaúcho; a redução nas vendas de impressos ocorre concomitantemente ao crescimento dos e-books; a digitalização do varejo fragiliza as livrarias, e há um potencial de desconcentração do mercado em direção às periferias. Entre as sugestões para a sustentação do setor, estão a criação de políticas públicas, o incentivo a novos modelos de negócio com o uso de novas tecnologias e o fortalecimento das cenas literárias locais.

Jornalismo especializado joga luzes sobre mercado do livro
O turno vespertino do Seminário O Negócio do Livro foi aberto com o painel “30 notícias para entender o mercado editorial”, com o ex-editor da PublishNews Leonardo Neto. As reportagens selecionadas pelo jornalista, publicadas nos últimos anos em diversos veículos nacionais e estrangeiros, apontam que 27 milhões de brasileiros da Classe C são compradores de livros, contrariando opinião do ministro Paulo Guedes, para quem livros são consumidos pelos mais ricos. Neto identifica também que há uma resistência brasileira em relação aos audiolivros e à subscrição, modelos de negócios já difundidos e consolidados em outros países.

Segundo o jornalista, em dezesseis anos, a indústria editorial brasileira perdeu 39% do seu valor — considerando apenas vendas no mercado. Em outro dado, o conteúdo digital representa apenas 6% do total produzido no Brasil; nos Estados Unidos, esse número equivale a 23%, um platô que permanece inalterado.
Para o palestrante, as tendências do mercado de livros podem ser percebidas em seis movimentos: difusão das médias livrarias; consolidação da megacorporação editorial Penguin Random House; popularização de audiolivros com locução sintética — que implica em custos de produção menores —; a disseminação de iniciativas sustentáveis na produção e distribuição de livros, e a diversidade de gêneros, etnias e orientações sexuais na mão de obra empregada pelo mercado.

A programação teve continuidade com o editor e livreiro curitibano Thiago Tizzot, que acumula vinte anos de trabalho dedicados à cadeia do livro. Em sua palestra — o momento mais descontraído do seminário —, o empresário relembrou sua trajetória no mundo editorial e suas motivações que o levaram a criar iniciativas que atraíssem mais leitores para a literatura:
“Eu vejo que tem muita gente com vontade de ler mas não sabe por onde começar: como vou escolher meu próximo livro? Daí tive a ideia de criar a revista Mapa”, uma publicação gratuita sobre livros e leitura enviada por correio e que alcançou leitores em todo o País. A Mapa foi criada em 2013. Tizzot, que também é escritor, ressaltou ainda o papel do fetiche dos leitores pelo objeto livro, uma dinâmica que é reforçada pela evolução da indústria gráfica.

Em seguida, a editora e designer gráfica Clô Barcellos assumiu o turno de fala no painel “A edição fora da curva”, em que apresentou a história da Libretos pela perspectiva da construção do catálogo, da curadoria de conteúdo e do compromisso social. Sua fala foi embasada pela dissertação de mestrado de Jessica Kilpp, que analisou o caso de dez editoras autodeclaradas independentes — cinco no Brasil, incluindo as gaúchas Libretos e Dublinense, e cinco em Portugal.
Entre as características que definem uma editora independente, segundo a palestrante, estão a inovação, a autonomia ao se expor a diferentes vozes, a vulnerabilidade às politicas neoliberais e a absorção individual dos riscos, além do engajamento social em concomitância ao realismo econômico e a identidade reforçada por um catálogo preocupado com a bibliodiversidade. Para Clô, o mercado do livro é “autodidata porque nós aprendemos enquanto fazemos”.

O seminário foi encerrado com João Scortecci, presidente do Grupo Editorial Scortecci, editor e gráfico experiente. Para o palestrante, que dissecou as etapas do processo de produção editorial desde o contrato com o autor até o leitor, o setor gráfico enfrenta alguns temores pontuais: a inflação, o Custo Brasil, preços de insumos, a ameaça do digital e custos de frete e Correios. Segundo Scortecci, o setor gráfico brasileiro emprega 180 mil trabalhadores e no momento enfrenta dificuldade de reposição de mão de obra.
Por fim, os convidados partiram para um happy hour no térreo da Casa de Cultura Mario Quintana.

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