Guilherme Smee: Os 75 Anos do Cowboy Italiano Tex Willer em Porto Alegre

“Um dos públicos mais fiéis de Tex se encontra no estado do Rio Grande do Sul. Não existem pesquisas que confirmam esse achismo, mas muitos dos grandes entendidos de Tex concordam com essa tese”

Edição: Vitor Diel
Arte: Giovani Urio sobre reprodução

Em 30 de setembro de 1948, na Itália, era publicado o número um da revista Collana di Tex, trazendo como personagem principal Tex Willer, criado por Gian Luigi Bonelli e Aurelio Galleppini. Não demorou muito, três anos para ser exato, para Tex aportar em terras brasileiras, sendo publicado na Revista Júnior, número 28, em 25 de fevereiro de 1951, em formato talão de cheques, bem diferente do formato que a maioria dos brasileiros está acostumado a ler quadrinhos nos dias de hoje. De lá para cá, Tex passou por diversas editoras no nosso país: Vecchi, RGE, Globo e atualmente é publicado pela Mythos Editora desde os últimos anos do século XX. 

Nessa sua trajetória pelo Brasil, Tex angariou inúmeros fãs, oriundos e saudosos dos filmes de bangue-bangue, em que as crianças ficavam na fila das matinês trocando seus gibis de faroeste. Atualmente, Tex é o personagem com o maior número de publicações regulares que saem nas bancas e lojas virtuais de quadrinhos brasileiras, inclusive uma revista com roupagem mais moderna, Tex Willer, que conta as aventuras do personagem quando era jovem. Realmente um fenômeno de vendas e de público fiel.

Um dos públicos mais fiéis de Tex se encontra no estado do Rio Grande do Sul. Não existem pesquisas que confirmam esse achismo, mas muitos dos grandes entendidos de Tex concordam com essa tese. Uma das razões pelas quais Tex tem bastante apelo aqui no nosso estado é porque temos uma colônia italiana muito grande, principalmente na Serra Gaúcha, onde muitas pessoas ainda conversam entre si na linguagem da Velha Bota. Outra razão, que é congregada à influência italiana no Rio Grande do Sul, é que os cowboys dos Estados Unidos se assemelham bastante com os gaúchos. Ambos têm a fama de serem homens durões, que cuidam de fazendas de gado em planícies, portam armas (facas e relhos no caso dos gaúchos e revólveres e espingardas no caso dos caubóis), montam a cavalo, usam uma indumentária que inclui lenços, chapéus e esporas, se envolvem em lutas e aliam-se com indígenas, e, mais do que qualquer coisa, fazem parte de uma cultura de fronteira, em que devem vigiar não só o território de solo, mas também territórios de sentidos, como a nacionalidade e a masculinidade. 

Fotos: divulgação

Pensando nessa proximidade, nós, da Gibiteca da Biblioteca Pública do Estado, e com a ocasião da vinda do incrível desenhista italiano Carlo Ambrosini para Porto Alegre, ao lado da Confraria Bonelli, desenvolvemos o primeiro evento Uma Tarde Bonelli, em 19 de novembro de 2022. O acontecimento, além de sessões de autógrafos com Ambrosini, também  incluía bate-papos sobre o universo da Sergio Bonelli Editore, a editora original de Tex, que traz uma miríade de outros personagens nos mais diversos temas e gêneros, não apenas o faroeste, embora este seja seu foco principal. 

Com o sucesso da primeira edição de Uma Tarde Bonelli, os fãs nos procuraram para desenvolvermos outro evento em 2023, dessa vez comemorando os 75 anos de criação do principal personagem da editora, Tex Willer. Contando com a coordenação de Leandro Malósi Dòro e o apoio da Confraria Bonelli, bem como de diversos grandes fãs de Tex, como G. G. Carsan e Adão Ávila, começamos a pensar no evento a partir de maio de 2023. De lá para cá conseguimos o patrocínio de editoras como a Saicã, a 85 Editora, Skript Editora, bem como a Gráfica Odisséia e a Tchê Shirts. Não tivemos apoio público do governo do Estado do Rio Grande do Sul. Todo aporte financeiro veio exclusivamente de nossa busca por patrocínio e apoios de empresas como a Koralle, que ajudou na atração do grupo Desenhando Juntos, que promoveu uma sessão de desenho livre com temática faroeste.

A segunda edição de Uma Tarde Bonelli aconteceu nos dias 30 de setembro de 2023 (dia do aniversário de Tex) e 1º de outubro de 2023, e envolveu profissionais que trabalharam com Tex, como o editor e proprietário da Mythos Editora, Dorival Vitor Lopes, e os letristas de Tex no Brasil, o casal Marcos e Dolores Maldonado. Os três participaram de bate-papos que tratavam do cowboy da camiseta amarela. Também tivemos bate-papos com a Confraria Bonelli, o Clube de Faroeste de Porto Alegre, com G. G. Carsan, com os editores das empresas patrocinadoras, entre outras.

Duas exposições abrilhantaram o prédio da Biblioteca Pública do Estado, cenário da realização deste evento: a coleção pessoal de revistas, bonecos e pôsteres de faroeste de Raul Estigarribia, grande apoiador informal do evento e as artes da mostra Cavalgando com Tex, organizada pela Coletive Arts, capitaneada por Jorginho Luiz Pereira. Também oficinas de narrativa e de desenho foram oferecidas pelos desenhistas Lu Vieira e Moacir Martins no segundo andar da Biblioteca Pública do Estado. Paralelo a isso, aconteceu uma feira no Salão de Leitura da Biblioteca, reunindo editoras e patrocinadores, bem como artistas gaúchos que se destacam valorizando o faroeste como Luan Zuchi, Clay Cardoso (que publicaram na revista de Uma Tarde Bonelli), Lu Vieira, Rodinério da Rosa, Moacir Martins, Duda Falcão e o Coletivo de Quadrinhos Alvoradense, com seus fanzines sobre personagens da velha guarda. A loja Hagaque trouxe diversos quadrinhos antigos de Tex, Mandrake, Fantasma, Tarzan e outros que fizeram a alegria e a nostalgia dos convivas do evento.

Por falar no público do evento, os fãs de Tex espalhados pelo país, acreditam que este foi o maior evento em homenagem a Tex Willer já realizado no Brasil, tendo atraído pessoas de ao menos 11 estados da federação, num total de mais de 500 pessoas por dia circulando nas dependências da Biblioteca Pública do Estado. O evento também bateu o recorde de pessoas fantasiadas como personagens da Editora Sergio Bonelli em um mesmo evento, recorde que acredita-se ser também mundial.

Um dos destaques da primeira palestra foi a contação de uma história clássica do Tex, chamada Duelo ao Entardecer, em que combateu El Muerto, e que foi narrada magistralmente por Miriam Coelho. No evento, Dorival Vitor Lopes recebeu duas homenagens: uma pelo Coletive Arts e outra pela Confraria Bonelli. Também foi reconhecido o esforço de divulgação de Tex no nosso país feito por Gervásio Santana, proprietário do Portal Tex.br há quase 25 anos. Outras presenças ilustres nos papos foram as de Jessé Bicodepena, do Clube Tex Brasil, de Jesus Nabor, da Zona Franca Comics e de Delair Turella, que criou uma cidade temática de faroeste na Estância Texas em Chopinzinho, no Paraná. Também esteve presente o apresentador do jornalístico Balanço Geral, da Rede Record, Thiago Gardinali, grande fã de produções italianas de quadrinhos, que conduziu as negociações para que Tex fosse desenhado pela primeira vez por um brasileiro, o incansável Pedro Mauro. O feito se dará em 2024.

A segunda edição de Uma Tarde Bonelli foi um sucesso, não apenas conquistando e mobilizando diversos pards (nome dado aos ardorosos fãs de Tex) ao redor do Brasil, como trazendo um público para conhecer e admirar o prédio da Biblioteca Pública do Estado, construída no início do século XX, com inspiração positivista, mas também a Gibiteca BPE que traz em seu acervo muitos quadrinhos do Tex e outros fumettis, além de quadrinhos de todas as partes do mundo. Os integrantes do canal de YouTube Ministério dos Quadrinhos, Alessandro Garcia e Diego Brandão Nunes também estiveram no evento e, além disso, produziram um programa ao vivo especial sobre Uma Tarde Bonelli, contando todas suas experiências no evento. No sábado, os pards fãs de Tex, reuniram-se no Boteco Histórico para comer o tradicional bife de três dedos com batatas fritas, das tramas do cowboy italiano, e confraternizar como manda o figurino.

Não poderia deixar de mencionar a revista Uma Tarde Bonelli #2, que foi produzida com os aportes dos patrocinadores e contou com textos de Jorginho Luiz Pereira, G. G. Carsan e Ricardo Elesbão, e duas histórias em quadrinhos realizadas por Clay Cardoso (“O procurado”) e Luan Zuchi (“Olho por olho”), bem como os anúncios dos patrocinadores. O design da revista, como todas as publicações da Gibiteca BPE, foi feito por mim, e a magnífica capa retratando Tex Willer e Kit Carson dividindo um mate de chimarrão e um costelão assado por um gaúcho, em um cenário repleto de araucárias, foi executada pelo sensacional Anilton Freires, artista do estado do Ceará e grande fã de Bonelli. A mesma arte foi usada no pôster de lembrança do evento, oferecido pela Confraria Bonelli.

Espero que nosso esforço hercúleo para conciliar vontades e organizar este evento tão singular e que mexe tanto com as paixões dos pards tenha ressoado nos corações dos fãs e o público que, por acaso, estava passando pelo centro de Porto Alegre e resolveu dar uma chance para a Biblioteca e para a Tarde Bonelli. Acredito que realizamos nosso intento, dada a repercussão do evento entre diversos fãs de Tex e das publicações da Bonelli e pudemos criar uma tradição de eventos anuais sobre a editora italiana que reverbere anos a fio na Gibiteca BPE e que traga um novo e maior público para as revistas em quadrinhos do Tex, da Bonelli e, claro, para os quadrinhos em geral.

Guilherme “Smee” Sfredo Miorando é roteirista, quadrinista, publicitário e designer gráfico. É Mestre em Memória Social e Bens Culturais, Especialista em Imagem Publicitária e Especializando em Histórias em Quadrinhos. É autor dos livros ‘Loja de Conveniências’ e ‘Vemos as Coisas Como Somos’. Também é autor dos quadrinhos ‘Desastres Ambulantes’, ‘Sigrid’, ‘Bem na Fita’ e ‘Só os Inteligentes Podem Ver’.
Foto: Iris Borges

Apoie Literatura RS

Ao apoiar mensalmente Literatura RS, você tem acesso a recompensas exclusivas e contribui com a cadeia produtiva do livro no Rio Grande do Sul.

Avatar de Literatura RS
Literatura RS

Uma resposta para “Guilherme Smee: Os 75 Anos do Cowboy Italiano Tex Willer em Porto Alegre

Deixe um comentário