Em defesa da memória e do território kaingang

No livro de poemas ‘Retorno ao Ventre’, Jr. Bellé conecta a história da família ao movimento de resistência vivido pelos povos indígenas no Sul do país

Edição: Vitor Diel com texto da assessoria
Arte: Giovani Urio sobre reprodução

Quando as lembranças de Pedrolina deterioravam-se pelo Alzheimer, ela ligou para o sobrinho e escritor Jr. Bellé para contar uma história até então desconhecida. A família deles, majoritariamente branca, estabelecida no sudoeste do Paraná, vinha de raízes indígenas, possivelmente kaingang. É um relato parecido com a de diversos brasileiros e atravessa a própria formação do país: vítima de um bugreiro alemão, sua tataravó era uma criança indígena que nasceu, viveu e morreu sem registros oficiais ou alguém para relembrar sua trajetória às gerações seguintes.

Foi o autor que tomou para si esse compromisso e preencheu as lacunas da memória com ficção em Retorno ao ventre – Mỹnh fi nugror to vẽsikã kãtĩ, publicado pela editora Elefante. Bilíngue, o livro foi escrito em português e traduzido ao kaingang pelo professor André Caetano, liderança da T.I. de Serrinha, no Rio Grande do Sul.

Na obra, tia Pedrolina também aparece, mas, diferente da vida real, ela está no leito do hospital quando compartilha as escassas lembranças sobre sua ancestral. A partir desse momento, os poemas começam a refletir sobre as consequências do violento processo de ocupação de terras indígenas por colonos brancos: a “marcha para o oeste”. Um de seus episódios inaugurais foi a primeira expedição militar da República em direção ao “grande sertão”, ou “vazio demográfico”, como era chamado o sudeste do Paraná. Contudo, o lugar era o lar e o território de inúmeros povos originários.

Para construir esta poesia narrativa, Jr. Bellé recorreu a documentos históricos presentes nos arquivos de espaços como o Museu dos Povos Indígenas do Rio de Janeiro e o Portal da Legislação Histórica do Governo Federal. Parte desta documentação está inserida no livro, como uma composição artística de uma aldeia de casas subterrâneas, uma carta sobre a primeira incursão militar ao sudoeste do Paraná redigida pelo capitão do exército José Ozório e um registro de doação de terras com a comprovação da presença dos povos originários no local.

Em meio a encontros e desencontros, memórias e esquecimentos, a obra percorre o passado para explicar o presente. Além de abordar as violências e resistências vividas pelas populações indígenas um século atrás, o autor ainda comenta sobre os problemas atuais, como a reivindicação do direito à demarcação de terras, ao passo que celebra conquistas de lideranças como Sônia Guajajara, Ailton Krenak, Davi Kopenawa, Iracema Gah Té (kujá kaingang que luta pela demarcação do Morro Santana, em Porto Alegre, a quem o livro é dedicado), e muitas outras.

Retorno ao ventre – Mỹnh fi nugror to vẽsikã kãtĩ está disponível nas livrarias e no site da editora por R$ 60.

Retorno ao ventre – Mỹnh fi nugror to vẽsikã kãtĩ
Jr. Bellé
168 p.
Editora Elefante
R$ 60
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