Autora premiada por livros de contos apresenta narrativa longa sobre a complexidade da violência doméstica
Edição: Vitor Diel com texto da assessoria
Arte: Giovani Urio sobre foto de Manu d’Eça
Já está disponível no site da Editora Claraboia a estreia de Marina Monteiro em narrativa longa, o romance Açougueira. A obra é inspirada no espetáculo Carne de Segunda, escrito pela autora em 2020. A transformação do texto em romance ocorreu a partir de uma oficina de escrita literária. O desafio, segundo Marina, era justamente a adaptação da linguagem. “Tive uma grande trava porque cismei que queria me distanciar do teatro, fiquei três meses longe da escrita, e depois percebi que era uma bobagem, pois era da dramaturgia que vinha o romance”, conta.
Açougueira se divide em cinco partes intituladas: O reflexo no braço dele, Coro de vizinhos, De fora a fora, Coração fazendo goteira e Voz escorrendo. O enredo envolve o assassinato e esquartejamento de um homem numa cidadezinha interiorana onde todos se conhecem. A principal suspeita é a esposa, personagem central da trama.
A narrativa é estruturada a partir de depoimentos concedidos a uma autoridade, referenciada por todos como “doutor”. A esposa detalha desde o início do enlace com o futuro marido até a decadência do matrimônio. Suas falas são entrecortadas por declarações pouco amistosas de vizinhos e conhecidos do casal.
A obra permeia temas como tradições sociais, relações familiares, paixão, desejo, violência doméstica e justiça. Este último, segundo a autora, é motivo de inquietação constante: “Reflito sobre o papel da justiça, o ideal de imparcialidade, a realidade muitas vezes parcial em uma sociedade tão desigual quanto a nossa”. Uma das inspirações para o livro veio justamente de sua busca por casos de violência contra a mulher na internet, em notícias e reportagens, e a percepção dos resultados de julgamentos desfavoráveis às vítimas. “Comecei a observar como a Justiça prontamente já coloca essa mulher no centro do palco de acusação. Tirar a vida de alguém é um crime que precisa ser punido, assim como violentar uma mulher, física ou psicologicamente, também deve ser. Mas o que acaba acontecendo, na maioria das vezes, é uma culpabilização da vítima”, argumenta.
Confira abaixo um trecho de Açougueira:
“Depois soube, foram pro bar, me negociando. Queria saber meu preço, mas os dois se retiraram porque era assunto deles. Mulher não precisa saber quanto vale. Eu e a mãe ficamos no escuro da cozinha ouvindo o silêncio da noite, quando o eco da risada se espalhou e sumiu. A mãe não dizia nada, eu olhando a mãe, tentando entender. Tinha umas partes do corpo dela querendo se despregar e eu quase vi um meio riso na boca dela. Tava gostando. Que mãe não gostava? Ia arranjar a filha nova ainda. Mais cedo que as vizinhas do entorno da igreja. Talvez nem precisasse rezar novena. Bastava uma vela pra santinha, em agradecimento. Ia arranjar a filha com homem trabalhador, de braço duro e suado. Homem bom. O suor tem valor. Eu disse, o suor é o começo da minha história.”
(p. 19)
Sobre a autora
Marina Monteiro nasceu em Porto Alegre (RS), em 1982, e vive atualmente entre as capitais Rio de Janeiro (RJ) e Florianópolis (SC). A autora possui licenciatura em teatro pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), e ainda o título de bacharela em filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É autora do livro de formato híbrido Comendo borboletas azuis (Multifoco, 2010) e dos livros de contos Em nossa cidade amarelinha era sapata (Patuá, 2019), vencedor do prêmio da Associação Gaúcha de Escritores (AGES), e Contos de vista Pontos de queda (Patuá, 2021), indicado ao prêmio Açorianos e vencedor do Prêmio Minuano de Literatura.

Açougueria
Marina Monteiro
148 p.
Editora Claraboia
R$ 49,90
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