“Os nomes excêntricos dos candidatos no Brasil remontam à eleição de 1959 quando a rinoceronte Cacareco do zoológico do Rio de Janeiro emprestado ao jardim de São Paulo recebeu cerca de 100 mil votos”
Edição: Vitor Diel
Arte: Giovani Urio sobre reprodução
O Brasil é um caboclo sem dinheiro
Procurando o doutor nalgum lugar
Ou será o professor Darcy Ribeiro
Que fugiu do hospital para se tratar
A gente é torto igual Garrincha e Aleijadinho
Ninguém precisa consertar
Se não der certo a gente se vira sozinho
De certo então nada vai dar
A cara do Brasil – Ney Matogrosso
Todos os anos de eleição eles surgem de todos os lados, de todas as cores, de todos os partidos e ideologias políticas para inundar as mentes do eleitorado com suas roupas excêntricas e suas propostas esdrúxulas. Eles são os candidatos super-heróis, que concorrem, geralmente, a cargos no poder legislativo. Nestas eleições municipais de 2024 não poderia ser diferente e muitos candidatos super-heróis apareceram durante o horário eleitoral na televisão e nas redes sociais.
Candidatos super-heróis nas eleições do nosso país são a cara do Brasil. Um espelho torto de ideais nobres que ao mesmo tempo refletem a dominação cultural à qual somos submetidos por todos os lados. O brasileiro almeja ser o estadunidense e mesmo em seu imaginário político ou não, deseja ser submetido aos seus ideais. Os brasileiros almejam ser estadunidenses, da mesma forma que o desprezado Peter Parker é a outra face do sensacional Homem-Aranha, ou que Clark Kent é a face menos poderosa, menos incrível e mais humana do que o Superman representa.
Os candidatos brasileiros vestidos de super-heróis são, como diz a música “A cara do Brasil”, cantada por Ney Matogrosso, “uma caboclo sem dinheiro” procurando o que têm de doutor em algum lugar. Nesse caso, o lugar seria os Estados Unidos, casa e origem dos super-heróis, que projeta uma imagem doméstica e internacional de eficiência de forma muito mais robusta que o Brasil.
Buscando emprestar a si um pouco imagem do super-herói, algo dos superpoderes que não têm esses candidatos usam o super-herói como retórica e alegoria. Tudo isso para que, no lugar da imagem desamparada que têm de si mesmos, ao se vestirem com um traje de super-herói, sejam alçados a um nível de competência e preparo de forma mágica. Mas, como no conto infantil “A roupa nova do Imperador”, sua fragilidade e vulnerabilidade estão no fato de que suas vestes não dão conta de cobrir sua infâmia e sua insignificância.
Já em 2010, uma matéria do site UniversoHQ trazia três figuras super-heróicas concorrendo às eleições para deputado daquele ano. Dois candidatos do Partido Verde, Valtinho (TO) e Claudinho Gaspar (SP), prometiam se transformar, respectivamente, em Lanterna Verde e em Hulk para combater as mazelas que se afligiam sobre seus estados. A matéria também destaca o Super Moura, que concorreu nas três eleições anteriores, cujo domicílio eleitoral é Natal (RN). O heróico candidato do PSL prometia combater a corrupção do mensalão, contudo sua candidatura fora impugnada pelo TRE por não ter prestado contas ao órgão eleitoral. A kryptonita do Super Moura havia sido descoberta.
Em 2020, o site Metrópoles noticiou um levantamento feito pelo (M) Dados que dava conta de que pelo menos 96 candidatos ao redor do Brasil nas eleições municipais daquele ano haviam adotado uma alcunha relacionada com super-heróis. Apenas um deles, o Batman de Cerqueira César (SP) concorria à prefeitura pelo PSB, já o Superman concorria como vice-prefeito na cidade de Ponta Grossa (PR) pelo PSL.

Em 2024, o mesmo site trouxe uma quantidade de 118 candidatos com nomes de super-heróis, vinte e dois nomes a mais do que na eleição municipal anterior, dando conta de que a popularidade de candidatos super-heróis tem aumentado ou se tornado uma estratégia fácil de se destacar entre centenas de opções de vereadores. Convidado a comentar este fenômeno, o cientista político Creomar de Souza deu o seguinte diagnóstico: “A maioria dos candidatos com esses nomes peculiares acabam tendo um desempenho bem pouco satisfatório. Mas é a alternativa que eles encontram. Estamos falando de candidatos com espaços diminutos, pouco recurso relacional e financeiro”.
Abaixo, segue uma tabela comparando os 11 principais nomes de super-heróis (e supervilões) usados em 2020 e 2024 a partir das estatísticas do Metrópoles:
| 2020 | 2024 |
| Hulk (26) | Hulk (16) |
| Thor (19) | Coringa/Batman (12) |
| Coringa/ Batman (14) | Homem-Aranha/Wolverine (11) |
| Homem-Aranha (13) | Thor (8) |
| Wolverine (10) | Pantera Negra/ Superman (5) |
| Mulher-Maravilha (6) | Flash/ Mulher-Maravilha/ Homem de Ferro (4) |
| Superman/Capitão América (4) | |
| Pantera Negra/ Homem de Ferro (3) |
Os nomes excêntricos dos candidatos no Brasil remontam à eleição de 1959 quando a rinoceronte Cacareco do zoológico do Rio de Janeiro emprestado ao jardim de São Paulo recebeu cerca de 100 mil votos, se tornando a candidata mais votada do pleito. Cacareco é um exemplo dos primeiros votos de protesto, porque na época as pessoas poderiam escrever nas cédulas os nomes de quem queriam votar, configurando voto nulo no caso de Cacareco. Cacareco recebeu até uma marchinha de Carnaval no ano seguinte, intitulada “Cacareco é o maior”.
Contudo, as eleições brasileiras veriam um palhaço subir no palanque da Câmara dos Deputados em 2010, quando Francisco Everardo Pereira Silva, o Tiririca, foi eleito. Com o slogan “pior que tá não fica, vote Tiririca”, ele foi o deputado estadual mais votado do estado de São Paulo pelo Partido da República (PR), atualmente permanece como deputado federal pelo Partido Liberal (PL). Os especialistas em ciência política acreditam que esse número foi atingido como uma forma de voto de protesto ao cenário político brasileiro ainda devastado com os escândalos do mensalão e da navalha na carne.
Essa carnavalização da política através de votos de protesto e do desencobrimento da “palhaçada” que a política se tornou pode ter sido uma das razões pelas quais muitos candidatos resolveram investir não apenas no nome de super-heróis, mas em sua indumentária. Claro, há outros motivos para que esses candidatos prefiram apagar seus nomes pregressos em predileção a nomes super-heróicos, um deles é a popularidade que os super-heróis mantém com o público, em especial ao público brasileiro, em que suas produções ocupam 70% das principais bilheterias mundiais de todos os tempos. Os nomes são fáceis de gravar e associados aos trajes coloridos e peripécias dos super-heróis emprestam suas qualidades aos candidatos.

Ao mesmo tempo, os super-heróis estão ligados ao lado do bem, e a construção do inimigo é um elemento essencial na política. Jair Bolsonaro já pronunciou durante as eleições de 2022 que aquele pleito era uma disputa “do bem contra o mal”, se colocando, é claro, do lado do bem. Os super-heróis também são um símbolo de eficácia, de honestidade e de força, ou seja, qualidades masculinas necessárias a alguém com um cargo político. Numa análise através da categoria gênero, as narrativas de super-heróis e a política tem muito em comum, elas privilegiam características relegadas aos homens. Ao mesmo tempo, características como cuidado, amor, prevenção, que são também necessárias à política, mas relacionadas às mulheres, são esquecidas nas campanhas. Os homens, os super-heróis e os políticos são muito mais reativos do que preventivos e esse é um problema bastante debatido quando se trata de políticas públicas: a falta de cuidado com problemas que poderiam ter sido prevenidos antes de se tornarem desastrosos.
Vale reparar também a predileção dos candidatos pelo nome Hulk, o mais visado dos candidatos. O Hulk é verde e isso pode ser associado ao Brasil, mas mais que isso, o personagem é forte, e isso remete à masculinidade e ao poder, tão necessários para decidir e impor o que é melhor para uma comunidade. Por outro lado, o Hulk é um personagem desequilibrado, um anti-herói que o que faz de melhor é empregar a sua força para destruir o que foi construído por outros. É bastante sintomático que na política brasileira existam mais pessoas que querem ser Hulks do que Supermen, um dos nomes mais abaixo no ranking da lista acima. Superman é um bom pai, um bom marido e um bom líder, mas não é isso que a política brasileira procura.
Também vemos a dobradinha Batman/Coringa como alguns dos principais nomes na lista, logo depois do Hulk. Enquanto o Batman é o extremo da ordem, refletindo teores fascistas de imposição da lei, o Coringa é o caos radical, demonstrando pouco apreço pela vida humana e pelo social. Na verdade, se pararmos para refletir, ambos são niilistas, individualistas e destruidores, nenhum deles tem um senso de comunidade muito apurado e refletem a polarização extrema que nosso país vive e que se calcificou a partir das eleições de 2018, conforme explicam Felipe Nunes e Thomas Traumann no livro Biografia do Abismo, de 2023.

Uma reportagem da AFP em Português traz um retrato das eleições municipais de Aracaju, no Sergipe, no ano de 2012. Ele destaca a presença do Batman (MDB) e do Robin (PSDB) da cidade, e também a presença de Chapolin (PSL), o super-herói mexicano de Roberto Gomez Bolaños na Televisa. Doze anos depois, o Robin e o Chapolin de Aracaju foram destaques de uma antologia de candidatos super-heróis do canal CCXP da Depressão, nas eleições municipais de 2024. A ele se somam a Madona Gostosa, vestida de Arlequina (PSB), o Geraldo Wolverine (PP), o Batman Capixaba (UB) e o Homem-Aranha (PDT). O interessante nisso tudo é que a utilização de super-heróis nas campanhas políticas não se restringe apenas a um espectro político, mas se alastra para as mais diversas propostas e posicionamentos.
Os candidatos a legisladores e a super-heróis aspiram a ser essa figura defensora dos fracos e oprimidos. Mas como colocam Hilda Gomes Dutra Magalhães, Luíza Helena Oliveira da Silva e Dimas José Batista no artigo “Do herói ficcional ao herói político”, publicado em 2007: “como o herói da ficção, ao político, na narrativa da política nacional, interessa promover-se como figura individual, utilizando a legenda na medida em que serve a sua auto-projeção, uma vez que, nesse quadro, a ideologia nem sempre está vinculada ao partido, sendo este reivindicado apenas quando há ganhos individuais para o candidato”. Completam dizendo que quanto mais essa imagem individual for mais colada à dos super-heróis e passar essa imagem ao público, maiores são suas chances de vitória: “tratar-se-ia de um sujeito acima das ideologias, acima dos partidos, para a garantia do interesse de todos”.
Os super-heróis inspiram os candidatos a se vestirem como tal e estes últimos inspiram os eleitores a fazerem parte desse processo de heroificação ao votar nos candidatos heroicos. Segundo Magalhães, Silva e Batista esse processo de heroificação envolve relações de domínio e de poder, “ou seja, quando um grupo, classe ou nível institucional se apropria e ressignifica uma figuração heróica, esta passa a adquirir novos conteúdos, às vezes, diametralmente opostos dos originários”. Os autores ainda pedem para levar em consideração qual o contexto em que o uso retórico da simbologia super-heróica é utilizada, sua intencionalidade política, econômica ou social, e o público ao qual essa comunicação se destina, tudo isso irá determinar o conteúdo desses retratos super-heróicos encarnados por candidatos a cargos políticos no Brasil. Essa contextualização, contudo, pode ser algo que interfira na imagem dessas candidaturas, trazendo os eleitores para a realidade absurda, de disparate e do ridículo que são pessoas usarem fantasias de quem não (mais do que serem super-heróis ou não) para pregarem uma ladainha de justiça e igualdade que, na prática, não tem nada a ver com a política brasileira. Mais que isso, super-heróis, insisto, são personagens que vêm dos Estados Unidos e pouco se relacionam com o pensamento, o dia a dia e os anseios dos brasileiros, a não ser aquele de ser superior aos que os cercam. E vencer na vida de modo fácil, usando o “jeitinho brasileiro” está encarnado no nosso povo, desde o sonho de ser jogador de futebol, passando pelas bets e o Jogo do Tigrinho até mesmo, se tudo falhar e você conseguir se tornar uma subcelebridade com atenção suficiente, se tornar candidato a algum cargo político, mesmo sem nem saber o que política significa. Candidatos super-heróis são a cara do Brasil.
Referências:
MAGALHÃES, Hilda Gomes Dutra; DA SILVA, Luíza Helena. Oliveira; BATISTA, Dimas José. Do herói ficcional ao herói político. Ciências & Cognição, v. 12, 11.
NUNES, Felipe, TRAUMANN, Thomas. Biografia do abismo: como a polarização divide famílias, desafia empresas e compromete o futuro do Brasil. Rio de Janeiro: HarperCollins Brasil, 2023.


Guilherme “Smee” Sfredo Miorando é roteirista, quadrinista, publicitário e designer gráfico. É Mestre em Memória Social e Bens Culturais, Especialista em Imagem Publicitária e Especializando em Histórias em Quadrinhos. É autor dos livros ‘Loja de Conveniências’ e ‘Vemos as Coisas Como Somos’. Também é autor dos quadrinhos ‘Desastres Ambulantes’, ‘Sigrid’, ‘Bem na Fita’ e ‘Só os Inteligentes Podem Ver’.
Foto: Iris Borges
Apoie Literatura RS
Ao apoiar mensalmente Literatura RS, você tem acesso a recompensas exclusivas e contribui com a cadeia produtiva do livro no Rio Grande do Sul.
