“O trabalho realizado por Amabile apresenta um conteúdo crível e profundo. A credibilidade, em parte, pode ser atribuída ao uso da correspondência de Hemingway como base”
Edição e arte: Vitor Diel
Para mim, saber que alguém efetuou uma grande descoberta científica, tornou-se campeão olímpico ou ganhou um Nobel, não me basta. Sempre quis saber o caminho percorrido por essas pessoas. É inspirador e pedagógico conhecer as influências, a dedicação, os incansáveis ensaios, treinamentos e estudos. Assim, quando estive no lançamento de Hemingway em Paris – Como se tornar um escritor revolucionário nos loucos anos 20, de Luís Roberto Amabile, publicado pela editora Zouk, minha curiosidade foi atiçada em dobro. Além dos passos de Hemingway, eu também queria saber qual foi o caminho percorrido pelo escritor e professor Amabile para revelar o percurso do vencedor do Nobel de Literatura de 1954.
A expectativa aumentou ainda mais depois que li a orelha escrita por Luiz Antonio de Assis Brasil, que afirma tratar-se de “um livro muito útil para escritores e aspirantes a escritores”, assim como para quem “deseja conhecer o lado humano de um ícone da literatura”. Dessa maneira, a obra de Amabile furou a fila de minhas leituras e a terminei em meus poucos dias de férias de verão com a família. Sempre vou me lembrar dessas férias como as que, mesmo estando em uma das praias do litoral brasileiro, tive a sensação de ter dado uma passadinha por Paris e de ter vivido naquela época.
O trabalho realizado por Amabile apresenta um conteúdo crível e profundo. A credibilidade, em parte, pode ser atribuída ao uso da correspondência de Hemingway como base. Tal procedimento possibilitou traçar o perfil psicológico e emocional do escritor, adentrando e analisando as questões essenciais de sua complexa personalidade. A profundeza da narrativa é chancelada pela quantidade de notas de rodapés que, em vez de atrapalhar a leitura fluida, demonstram que o autor sabe muito sobre o que escreveu.

Amabile se propõe a fazer, como explicita na introdução, “um recorte biográfico de um lugar e de um escritor”. Então, além de construir (e desconstruir) a personalidade de Hemingway, ele também reconstrói a Paris da década de 1920. Ao leitor fica quase palpável como a capital francesa era considerada o coração do florescente modernismo europeu. Depois de mostrar e fazer o leitor sentir como Hemingway e a Paris dos anos 20 se formaram, Amabile mostra como escritor e cidade se encontraram.
Hemingway era um jovem com 22 anos, nascido em Oak Park, nos arredores de Chicago, sem ter escrito até aquele momento qualquer texto que impressionasse algum leitor. Aconselhado por Sherwood Anderson (que lhe deu cartas de apresentação), chegou em Paris às vésperas do Natal, no dia 22 de dezembro de 1921. A cidade era “uma espécie de ilha mágica frequentada pelos principais escritores, pintores, músicos e bailarinos de boa parte do mundo, sobretudo da Rússia e dos Estados Unidos”. No livro, o leitor acompanha a convivência de Hemingway com, entre outros, Ezra Pound, Gertrude Stein, Scott Fitzgerald, James Joyce e Ford Madox Ford. E acompanhar o dia a dia de um escritor em formação nesse ambiente efervescente leva a pensar em outra afirmação de Assis Brasil: “não se ensina a escrever, mas se aprende”.E como não aprender em uma convivência tão intensa, próxima e descontraída com pessoas de tamanha experiência na arte da escrita?
O livro de Amabile também se revela saboroso pela seleção de trechos das cartas que Hemingway escrevia relatando aspectos curiosos, como quando comenta para Sherwood Anderson que fez um acordo com Ezra Pound. O poeta leria seus textos e ele lhe daria lições de boxe:
Estou ensinando boxe ao Pound com pouco sucesso. Ele costuma conduzir o golpe com o queixo e tem a graça de um lagostim. Tem força e vontade, mas pouco fôlego […]. Além disso, é bem desportivo da parte dele arriscar a própria dignidade e sua reputação crítica numa coisa sobre a qual ele não entende nada.
Mais adiante, consta o trecho de mais uma das cartas. Essa é destinada à sua mãe, referindo-se a Stein, que foi escolhida como madrinha do filho de Hemingway:
Gertrude Stein, que escreveu Three lives e várias outras coisas incríveis, jantou aqui conosco na noite passada e ficou até a meia-noite. Ela tem uns 55 anos, acho, e é muito grande e bacana. Ela ficou muito entusiasmada com minha poesia.
A obra também está recheada de fotografias, algumas fruto de pesquisa em arquivos históricos, outras tiradas por Amabile, como a que retrata o Hotel Jacob, situado na rua com o mesmo nome. Foi o primeiro endereço de Hemingway em Paris e, como consta na legenda, “Aqui Hemingway quebrou os óculos de Lewis Galantière numa luta ‘amistosa’ de boxe”.
O livro também funciona como um guia de viagem tanto no tempo quanto geográfica, pois Amabile produziu um mapa daquela ilha mágica. Por isso, pode-se visualizar os bairros parisienses mais frequentados por Hemingway (Montparnasse, Quartier Latin e Saint-Germain-de-Prés), com as respectivas legendas, contendo o nome e o número das ruas, bem como o nome do habitante célebre, entre eles os já citados James Joyce e Ezra Pound, ou o nome do estabelecimento comercial, entre eles, os dos Cafés Le Dôme e La Rotonde e da livraria Shakespeare & Company.
Página após página, capítulo após capítulo, percebe-se a revelação não apenas do escritor, que foi se construindo, mas também da pessoa Hemingway. Como escritor, de forma surpreendente e rápida, ele mudou a maneira de escrever, pois em menos de cinco anos de sua chegada em Paris, nasce sua primeira grande obra: O sol também se levanta. Quanto à pessoa Hemingway, que ser humano se depreende das cartas? Essa pergunta consta no livro e, na sequência dele, o leitor vai encontrando a resposta. Seria ele alguém durão por fora, mas sentimental e assustado por dentro? O que levou à sua morte, da forma que ela aconteceu?
Ao ler a obra, minha impressão sobre os passos dados, sobre o caminho percorrido por Amabile, é de que ele esteve em Paris, no mínimo duas vezes e em épocas diferentes: uma delas é sua recente ida para pesquisar e escrever o livro e a outra teria sido na década de 1920, quando conviveu com Hemingway e toda aquela gama de grandes nomes da literatura. Parece-me que foi cooptado e levado para o tempo da história e, talvez por isso, consiga fazer o mesmo com o leitor.

Amauri Antonio Confortin é editor e autor de seis livros – quatro deles para o público infantojuvenil tendo a educação ambiental como tema. Entre os títulos estão “Os animais ‘viram bichos’ e “Vida orgânica – Uma nova página, um novo capítulo”.

Hemingway em Paris – Como se tornar um escritor revolucionário nos loucos anos 20
Luís Roberto Amabile
240 p.
R$ 65
Editora Zouk
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