Maiara Alvarez: Tripas, vômito e um pagodinho

“Quando adolescente, eu não fazia ideia de quem era Romero, do quanto suas obras cinematográficas traziam uma crítica social completa e complexa”

Edição: Vitor Diel
Arte: Giovani Urio sobre reprodução

Não importa como começou, só importa que começou.

Eu confesso a minha inveja, mas eu nem me arrisco. Não me arrisco mesmo, mesmo. Ô coisa difícil que deve ser. Exige tanto afastamento de quem eu sou como aproximação de quem eu já fui. E, por algum motivo que eu não consigo entender, eu não sou capaz. As informações da publicação dizem apenas Literatura Brasileira, Fantasia (não aparece uma ficha catalográfica), mas eu adicionaria tranquilamente os dizeres: juvenil. E eu vejo isso com ótimos olhos. Aquela admiração de longe, porque eu não conseguiria escrever um livro juvenil.

Aliás, eu diria: “Vamos falar dessa coisa que a Academia (a maiúscula é proposital) tem com literatura de fantasia E juvenil? Essa rinha mais inexplicável que a minha incapacidade de escrever de uma maneira leve, entretenida, agradável?”. Mas eu só vou deixar essa provocação mesmo, e que fique pra depois a discussão homérica de que: “não é bem assim”, enquanto continuam a colocar Dom Casmurro goela abaixo de adolescentes que simplesmente não se interessam pelo drama de um chato de galocha que não sabe se também é descornado ou não.

Esquece, mesmo, porque eu acho que história de descornado até vai bem, entende? A do Edmílson, por exemplo, é a história de um descornado. Só que o Ed, antes de (ou ao mesmo tempo de) ser um iludido platônico, é um cara no meio de um apocalipse Zumir, opa, Zumbi, com muito mais coisa pra se preocupar na vida ― e olha que ele não tinha um emprego, que nem o Bentinho. 

Eu queria muito ter lido mais livros no estilo Como sobreviver ao Apocalipse Zumbi, com a sua Mãe!, de John Miler (eu sei, parece estrangeiro, mas o cara é gaúcho) quando eu tava na escola. Eu também tive acesso à coleção Vagalume e seus assemelhados, mas, como boa CDF (entreguei minha idade), minha primeira escolha era sempre a leitura obrigatória da aula de literatura. E, embora eu tenha tido uma ótima professora, a seleção do que a gente precisava ler não cabia somente a ela. O legal é ver que, embora juvenil e fantasiosa, a história traz uma pá de referências interessantes a qualquer jovem (e adulto). Poxa, quando adolescente, eu não fazia ideia de quem era Romero, do quanto suas obras cinematográficas traziam uma crítica social completa e complexa. Se eu lesse algo maneiro na escola, se eu visse referências a outras coisas que eu curtia na cultura pop (porque a cultura popular leva sempre o adjetivo quando a de elite é chamada apenas de cultura?) associadas a outras coisas que eu não conhecia ― como o filme A noite dos mortos vivos ―, o quanto mais de cultura eu ia buscar? O quanto mais eu ia crescer?

Faz um mês que estamos trancados em nossa casa e eu já estou ficando louco. Não apenas eu, diga-se de passagem. Minha mãe está, neste exato momento, lavando as janelas. Com uma mangueira. Pelo lado de dentro.

A vida, afinal, tem algumas coisas inexplicáveis. Se você achou que eu ia explicar alguma delas, me desculpe, eu só estou aqui para te indicar um livro. Acho que, com este ― o dos zubir, droga, zumbis ―, você vai passar bons momentos, dar boas risadas e se animar com a sequência frenética de acontecimentos ― gravadas com esmero pelo tio Déco para o documentário dele.

Um ser que não pensa, que só vive para comer e que não tem nenhum propósito de vida ou perspectiva de futuro. Se identificou? Pois é.

Sobre o autor
John Miler é um escritor gaúcho nascido em Santana do Livramento. Vindo de infância pobre, sempre deu um jeito de se divertir junto com seus dois irmãos mais novos, com quem, desde cedo, criava histórias, jogos e aventuras. Tudo mudou quando, por volta dos 13 anos, descobriu uma biblioteca comunitária no bairro. O filho do idealizador do projeto era um colega de escola e foi o responsável por lhe apresentar o primeiro livro que se lembra de ler: O rapto do garoto dourado, da coleção Vagalume. Daí em diante, mergulhou em um mundo completamente novo e percebeu que na literatura poderia encontrar um lugar seguro para criar mundos completamente novos.

Como sobreviver ao Apocalipse Zumbi, com a sua Mãe!
John Miler
108 p.
Edição do autor
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Maiara Alvarez é bacharel em Jornalismo e especialista em Leitura e Produção Textual. Conta histórias desde que aprendeu a repeti-las de forma oral. Foi criança que inventou palavras. Jovem, notou que poderia criar algo maior. Trabalhou no terceiro setor, participando de eventos literários e escrevendo projetos, um deles premiado nacionalmente. Escreve, edita e fotografa. Atua com revisão desde 2011, com jornais, relatórios, produções acadêmicas e ficção, e hoje ministra uma oficina na área.
Foto: Acervo pessoal

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