Delma Gonçalves: 4 de dezembro, dia do Suingue e Samba Rock no Sul

A obra de Bedeu deixou gravações que se tornaram clássicos do gênero

Edição: Vitor Diel
Arte: Giovani Urio

Agosto de 1999, Jorge Moacir da Silva o Bedeu, precursor do Suingue e Samba Rock do Sul, sai da cena musical porto alegrense, mas antes de partir ele gravou o CD Swing Popular Brasileiro patrocinado pelo Fumproarte. Bedeu iniciou a trajetória no final da década de 60 e começo de 70 ao gravar em São Paulo um vinil compacto duplo, com duas músicas, uma em parceria com Delma (Deixa a Tristeza) e a outra com Leleco Telles (Ellen). Após esse período, no ano de 72 foi gravado o clássico do suingue e samba rock “Menina Carolina”, pelo cantor Franco (dos Brasas) e em seguida o cantor Bebeto regrava a música que se torna sucesso nacional. Em 1975 Bedeu formou o Grupo Pau Brasil, tornando-se uma revelação do gênero musical na sua cidade natal, Porto Alegre. Havia uma noção deste movimento que criou, visto pela cultura branca, mas poucos lhe valorizaram. Ele reverenciado dentro da comunidade negra, que sabia de sua real importância. Na cidade o preconceito existia de forma velada com poucas oportunidades, entretanto Bedeu estava convicto disso, teria que mostrar além do talento, muito trabalho. Só que a cultura da música viu isso tardiamente. Talvez pela inquietude e sede de produzir canções (inspirações) nunca deixou de ir à luta. Sabia que estava abrindo portas dentro dos quilombos urbanos, junto ao estilo do samba rock propriamente dito, mas que não era samba de raiz e sim a raiz latina no seu jeito de tocar, na mistura dos ritmos afros fronteiriços natos de um swing próprio dele. E isso só foi visto no ano em que estava de bem com a vida.

Em 1999 o jornal Zero Hora lhe fez uma grande entrevista. Isso aconteceu praticamente no mesmo período que ganhou o Prêmio Açoriano, pelo conjunto da obra. No mês de junho ele conseguiu realizar seu show no Teatro Renascença, entre os convidados: Renato Borghetti, Antonio Villerroy, Marietti Fialho, Kaubi Tavares, Grupo Senzala entre outros. No mês de julho ele foi entrevistado pela Revista Show Bizz e em agosto, ironicamente a reportagem foi publicada no mês de sua morte. Na revista fizeram um dossiê completo do Samba Rock, intitulado O Som do Ben assinado por Sergio Barbo e Pedro Só. Na reportagem destacaram artistas que deram voz à periferia dos ritmos nos anos 60 e 70. Dentre eles estavam os gaúchos: Luis Vagner denominando-o como o “Guitarreiro” e Bedeu o “Pioneiro”. São citados pela semelhança existente deste ritmo com o do Ben Jor. O fato é que além desta conexão, existiram coincidências de datas desta formação em São Paulo e Rio de Janeiro, com o início deste movimento, aqui no Sul.

No Rio de Janeiro o sambalanço se identifica com o nome: Jorge Ben Jor. Em São Paulo a pegada é o samba rock junto ao expoente desta vertente musical, o cantor Bebeto. E em Porto Alegre? Observou-se o predomínio do gênero no contexto social e cultural desta cidade: o suingue. Primando a miscigenação das raízes de sons musicais, influenciados pelos países fronteiriços. O nosso suingue trouxe uma fusão na desconstrução de gêneros e que se reconstroem na mistura do samba, do vanerão, do rock, da milonga, de molejos caribenhos, da salsa, rumba e ritmos africanos, assim como o batuque, sons característicos, típico da cultura afro descendente de nossa região. Em meados de 60 e 70, os negros do Sul transitavam suas diversidades nas áreas especificas dos redutos da negritude local e o carnaval era o que lhes dava maior visibilidade. As comunidades negras tinham seus pontos estratégicos de encontros, como: a Esquina Democrática na Borges de Medeiros; Praça Garibaldi; Sociedades Floresta Aurora; Satélite Prontidão; Nós os Democratas; Casa de Samba Evolução; as próprias escolas de sambas (Quilombos Urbanos). Nessa época, os rapazes amigos de Bedeu inquietos, entusiasmaram-se com as dicas de Luis Vagner, logo resolveram enveredar seus primeiros acordes na conversa da guitarra com o pandeiro, junto ao produto fonográfico, que sonhavam realizar. E foi lá no bairro Santana, aonde havia plena integração com a escola de samba tradicional de seu bairro: os Acadêmicos da Orgia. A aventura deu certo. Precisavam de um nome que mostrasse a brasilidade tri gaúcha desses guris do Sul: Pau Brasil este nome sublinhou com a espiritualidade de cada um. Bedeu, Leleco Telles, Alexandre, Cy, Leco e Nego Luis, oriundos dos bairros; Menino Deus, Partenon e Santana. Eles queriam algo diferente com visões futuristas, estavam à procura de uma fluência rítmica que mostrasse a característica de suas origens, em que o soul, suingue e algumas pitadas caribenhas na fusão da batida do pandeiro a interagir com a guitarra, o bangô fluísse com a timba dando passagem ao contrabaixo, o som do surdo no compasso retumbante e contagiante, completando tudo isso com um vocal harmonioso dando vida a composições próprias, nas letras e melodias que os tornaram tão singulares, até hoje.

Enfim, são esses os motivos que me incentivaram na divulgação histórica deste segmento musical. Após dois anos da morte de Bedeu convidei Alexandre Rodrigues e Marco Farias, para a realização do Tributo Ao Bedeu, a homenagem levaria a cada ano artistas a cantarem a sua obra. O mergulho de corpo e alma neste projeto foi imprescindível. No final de 2020 resolvi levar o release do projeto “Tributo ao Bedeu” ao vereador Matheus Gomes, solicitando que levasse a história do artista, na pauta do dia para a Câmara dos Vereadores, como forma de indicar ao calendário da cidade O dia do Suingue e Samba Rock, no Sul e de preferência na data do aniversário de Bedeu. Graças à competência do vereador, no início de 2022 foi aprovado o projeto. Agora o suingue do RS está aí sendo lido, ouvido, imitado e agregado a novos ritmos, pelo mundo afora. A obra de Bedeu deixou gravações que se tornaram clássicos do gênero, nas vozes do grupo Pau Brasil, de Wilson Simonal, Jair Rodrigues, Originais do Samba, Neguinho da Beija Flor, Paulinho Mocidade, Royce do Cavaco, Vaguinho, Só pra Contrariar, Grupo Revelação, Ultramen, Pagode do Dorinho, Carlos Medina, Paulão da Tinga, Grupo Senzala, Os Arteiros, Jorge Dourado, Carlos Ademir, Roberto Costa, Ângela Jobim, Nanci Araujo, Clube do Balanço, Bebeto, Dhema, Álvaro, Branca de Neve, Luis Vagner, The Garotos, Letycia Oliveira, Farufyno, Remix Sambas SP, entre outros. A extensa obra vibrante de Bedeu, agora se atualiza e se soma à preservação da memória de nosso Estado. Evoé! Axé!

Delma Gonçalves nasceu em Porto Alegre. É poetisa, compositora e produtora cultural. Graduada em Letras e Pós-Graduação. Suas poesias estão em várias coletâneas desde 1994. Compõe letras de músicas desde os doze anos inspirada pelas composições de seu pai que era compositor e musicista. Aos quatorze anos conheceu Bedeu, o precursor do Swing e Samba Rock Do Sul e, incentivada, faz seu primeiro registro de músicas na editora SICAM e assim começa a sua trajetória como compositora. Logo a escrita e a música se tornaram essenciais em sua vida. No ano de 2006 é agraciada com o primeiro lugar no concurso de poesias da Faculdade de Mandaguari, no Paraná, com o poema Lanceiros Negros. Em 2010 escreve o primeiro livro contando a história da agremiação que seus país fundaram, a ES Acadêmicos da Orgia, Cinco Décadas de Samba no Bairro Santana. Faz parte da Academia de Artes, Ciências e Letras Castro Alves POA/RS e da Academia Internacional de Literatura Brasileira/NY e se torna em 2022 membro imortal da Academia De Letras do Brasil, Seccional RS. Participa dos Coletivos Tributo ao Bedeu; Sarau Sopapo Poético; ASCOMGA; Nimba a Única Negra; Mulheres do Samba Sul; Mulheres do Samba Notícias RJ; Face de Ébano; Coletivo de Escritores Negros (CEN). Em 2019 lançou seu primeiro livro de poesias O Som das Letras na 65º Feira do Livro de POA. No ano de 2021 participou de várias coletâneas em especial no livro Travessias de Amanaã/Ed. Libretos, com seis escritoras negras gaúchas, e em 2022 participou da Revista Meu Corpo Negro com a crônica Cuidado que eles já nos viram numa homenagem ao Ativista Cultural afro gaúcho Giba Giba.

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Uma resposta para “Delma Gonçalves: 4 de dezembro, dia do Suingue e Samba Rock no Sul

  1. Parabéns, valeu o esforço, o comprometimento e a resiliência para preservar e tornar toda essa belíssima de obra imortalizada… Valeu, força, fé e gratidão a todos os envolvidos. 👏🏾👏🏾👏🏾🎶🎼🎵

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