Narrativa descortina com agudeza a história de mulheres negras de uma mesma dinastia
Edição: Vitor Diel
Arte: Giovani Urio sobre divulgação
Uma das mais conceituadas e elogiadas poetas do Rio Grande do Sul, Eliane Marques faz sua estreia em uma narrativa longa com o romance Louças de família. Publicada pela Autêntica Contemporânea, a obra já está disponível nas livrarias.
No romance, somos lançados diante de um inventário de dívidas e miudezas cotidianas acumuladas por tia Eluma e que agora são coletadas pela narradora Cuandu, a herdeira imediata das contas de velório de “minhatia”. Tendo como cenário geográfico a fronteira entre Brasil e Uruguai — terra natal de Eliane —, a personagem puxa o fio da ancestralidade e da memória para contar as histórias das mulheres de sua família negra que, por gerações, estiveram a serviço de famílias brancas.
A ritualística e os simbolismos permeiam uma obra carregada de uma solidão muito evidente e um sofrimento silencioso, sentimentos que se valem de pretoguês, portunhol e iorubá para serem narrados, num equilíbrio tão sutil quanto firme, tão frágil quanto forte, entre o exercício poético da linguagem e o empreendimento narrativo que a autora se propõe construir — revelando uma Eliane Marques romancista que provavelmente deve construir uma carreira tão premiada quanto aquela já consolidada na poesia.
A obra tem capa de Diogo Droschi.
Confira abaixo um trecho das primeiras páginas de Louças de família:
“Sobrou isto de sua morte. As contas impagas. Luzágua blusas calçassaias camisetas jesus também te ama compradas a prazo de uma irmã da igreja, tão pobre quanto convicta da superioridade carola. Coisas pequenas tão enormes para aquelas que as suportam, para as que ficaram com o dever de pagar, de manter limpo seu retrato. Conta de celular? Não sei, acho que não usava.
O legado dessas contas me dói feito sapato de salto fino bico apertado. Dele não posso abrir mão, como não posso renunciar ao medo de um final supostamente pequeno, supostamente mesquinho, num hospital onde tudo falta numa cidadezinha que não se decide entre nome de santa nome de ana ou de liberdade. Temo que a vida me seja cortada com faca de cabo de prata, que a morte cara de vaca, capa vermelha espartilho vermelho, olhe para mim pelo espelho e me meta sua língua cor de melancia. Temo que a vida me seja cortada mesmo sem faca. Fim pequeno de uma vida que pereceu pequena. Tudo isso eu temo.
Mas foi assim como agora penso?
Posso pensar minhatia pelo que de mim eu temo?”
Sobre a autora
Eliane Marques nasceu na fronteira entre Brasil e Uruguai. Publicou o poço das marianas (ganhador do Prêmio Minuano 2022 e finalista do prêmio Associação Gaúcha de Escritores), e se alguém o pano (Prêmio Açorianos) e Relicário. Assina as traduções de Pregão de Marimorena, de Virginia Brindis de Salas, Cabeças de Ifé, de Georgina Herrera (prêmio Associação Gaúcha de Escritores), e O trágico em Psicanálise, de Marcela Villavella. Coordena a editora Escola de Poesia Amefricana e o selo Orisun Oro, que visa à tradução e à publicação de livros de poetas amefricanas no Brasil. É filiada à Àpres Coup Psicanálise e Poesia.

Louças de família
Eliane Marques
280 p.
Autêntica Contemporânea
R$ 64,90
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