Guilherme Smee: Os 20 melhores quadrinhos que li em 2024

“A lista contém quadrinhos dos mais variados, dos comics da Marvel e DC Comics, bem como Star Wars, os meus queridos quadrinhos em estilo documentário, quadrinhos brasileiros, bem como representantes dos mangás e dos fumetti”

Edição e arte: Vitor Diel

Chegamos ao final de mais um ano e, com ele, trago a tradicional lista de melhores leituras de quadrinhos do ano. Como sempre, preciso avisar que nem todos os quadrinhos aqui listados foram lançados em 2024 no Brasil, embora a maioria deles seja deste ano. Além disso, os títulos não seguem uma ordem de preferência, mas uma ordem alfabética. A lista contém quadrinhos dos mais variados, dos comics da Marvel e DC Comics, bem como Star Wars (em duas formas), os meus queridos quadrinhos em estilo documentário, quadrinhos brasileiros, bem como representantes dos mangás e dos fumetti. Espero que você possa encontrar aqui boas dicas de leitura!

A QUEDA DO PATRIARCADO: O COMBATE AO MACHISMO ATRAVÉS DOS SÉCULOS, DE MARTA BREEN E JENNY JORDAHL

Que quadrinho inteligente, divertido e informativo! Como já falei algumas vezes, eu tenho tido como meus quadrinhos favoritos aqueles que usam da mídia da nona arte para contar histórias mais analíticas, talvez mais acadêmicas, e este quadrinho faz isso de maneira estupenda. Além disso, A Queda do Patriarcado: o combate ao machismo através dos séculos, é um quadrinho voltado para o público jovem adulto. Mas isso não parece ser uma limitação para as autoras, que desenvolvem uma crítica mordaz ao patriarcado e ao falogocentrismo (a concentração do conhecimento e das decisões nas mãos dos homens), sem deixar de lado as características próprias da linguagem gráfica e da narrativa dos quadrinhos. Com certeza A Queda do Patriarcado poderia ser usada para educar em aulas sobre o feminismo, ou ainda sobre história, filosofia e sociologia. Tanto pode que estou pensando em usar nas minhas aulas. Esse é um quadrinho curto, colorido, rápido de ser lido e de ser entendido e ainda rompe com algumas certezas e machismos que estão incrustados dentro de nós. Em alguns mais profundamente que em outros.

A SAGA DA MULHER-MARAVILHA, VOL. 3, DE JOHN BYRNE E PATRICIA MULVIHILL

Me desculpem os detratores, mas quanto mais leio o trabalho do John Byrne mais gosto do que ele faz e como ele faz. Byrne consegue prender o leitor nas histórias e faz isso sem deixar subtramas e personagens coadjuvantes de lado. Neste terceiro volume temos a estréia da Moça-Maravilha. Cassie Sandsmark já havia usado seus “poderes” na edição passada, mas é nessa que estreia oficialmente com uniforme e tudo. O arco mais longo e divertido deste encadernado se chama “Os Homens Que Moveram a Terra” e fala sobre seres pré-era glacial que, dentro desse universo de histórias, teriam fundado a civilização egípcia. Byrne lança mão de personagens como Cave Carson para contar essa trama, cheia de senso de maravilhamento e muita aventura no presente e no passado. Completa a edição o começo de outro arco, dessa vez envolvendo a inimiga figadal da Mulher-Maravilha, a Mulher-Leopardo. Está sendo bem recompensador acompanhar essa saga da Mulher-Maravilha e parabéns à PaniniTM por ter trazido logo a fase de Byrne, que permanecia praticamente inédita no Brasil.

AS GUERRAS DE LUCAS, DE LAURENT HOPMAN E RENAUD ROCHE

As Guerras de Lucas está mais para um quadrinho documentário sobre como Star Wars veio a ser do que uma biografia de George Lucas. As partes que explicam o background e a personalidade do homem por trás da Guerra nas Estrelas são importantes, mas não são o núcleo duro desta graphic novel. A parte que os autores mais se demoram são nas negociações entre a produção do filme e os estúdios. Uma das partes que mais gostei é quando os autores da graphic novel apresentam em forma de imagens as versões e mais versões dos roteiros que Lucas apresentou para a 20th Century Fox e não pude deixar de ficar emocionado quando acompanhei o momento em que ele tem contato com O Herói de Mil Faces, de Joseph Campbell, o catalisador da versão definitiva de Star Wars. As cores utilizadas nas páginas de A Guerra de Lucas acentuam essa percepção de quadrinho documental, aumentam a veracidade, ao mesmo tempo que os elementos estéticos das tonalidades ajudam a entender também a publicação como uma narrativa ficcional. No conjunto tudo funciona muito melhor porque o leitor já é iniciado no universo de Star Wars e essa é uma nova camada de uma história e de personagens que gerações de espectadores aprenderam a admirar.

BOOK LOVE: PARA APAIXONADOS POR LIVROS, DE DEBBIE TUNG
Quem acompanha meus reviews no Goodreads sabe que eu sou um “book lover” e um “read lover”. Sempre que posso estou lendo e deixo de lado séries, cinema e outros entretenimentos midiáticos para ler um bom (ou um mau) livro. Quem me acompanha no Goodreads sabe que no primeiro dia de dezembro, eu já li mais de quinhentos e trinta livros em 2024. Então acho que posso me considerar um “book lover”. Mas não só por isso, também porque me identifiquei muito com as gags e as dicas da autora deste livro, Debbie Tung. Além disso, este é um livrinho charmoso, pequeno, de capa dura, com desenhos encantadores e piadas que se relacionam com os maníacos por leitura sem serem ofensivas, como fazem determinados livros que tratam de algumas obsessões. “Book Love” é um daqueles livrinhos em quadrinhos singelos que são um belo e um baita presente para apaixonados por livros se identificarem. Como numa das tirinhas do livro, eu dei gargalhadas no shopping, até as pessoas entenderem que eram relacionadas com o livro. Ou seja, as piadas dos quadrinhos de Debbie Teng são muito replicadas na vida real.

BPDP: A GUERRA DOS SAPOS OMNIBUS, VOL. 3: DEUSES E FEITICEIROS, DE MIKE MIGNOLA, JOHN ARCUDI E GUY DAVIS
Uau! Esse omnibus do BPDP trouxe emoções de leitura do começo ao fim. Eu gostei muito do primeiro volume e nem tanto do segundo, porque ele tinha mais da tal praga dos sapos do título. Este volume praticamente se esquece que está tendo uma praga de sapos longe do QG do BPDP e começa a focar mais nos personagens. Isso traz arcos de histórias sensacionais e cheios de esoterismo e mistério. Primeiro temos a chefe Kate duelando contra um demônio colecionador pelo destino do homúnculo Roger. Depois, Abe Sapien precisa lidar com os androides da sociedade secreta que o transformou. Também temos um momento confessional entre os personagens que contam histórias do seu passado. Entre elas, o mistério sobre os ferimentos e passado de Damio nas selvas da Bolívia é finalmente revelado. Também Liz Sherman passa a ter visões mais fortes e complicadas. Foi uma jornada de leitura de devorar o quadrinhos e sentir o gosto da aventura, do suspense e das revelações e reviravoltas. Fazia tempo que um quadrinho não me entretia tanto e ainda mais um quadrinho com um número expressivo de páginas.

CANSEI DE SER MONSTRO, DE THAIS LEAL E GUILHERME DE SOUSA

As narrativas em quadrinho do meu xará Guilherme de Sousa tem como marca subverter as expectativas do leitor, levado por um senso comum de que bailarinas não têm defeito ou que todo monstro é monstruoso. Desta vez, ao lado de sua companheira, Thaís Leal, os dois nos levam para uma aventura em que um monstro desses do estilo de Monstros S/A vem ao nosso mundo em busca de uma criancinha pra papar, mas lá pelas tantas decide que não quer mais ser monstro e sim uma pessoa. Nisso, ele e seu ajudante mirim – a criança que ele não papou – vão se embrenhar em confusões no confuso mundo das pessoas adultas, mas com o toque especial dessas tramas que o xará põe o dedo, que é de subverter tudo aquilo que esperávamos que fosse acontecer. Essa é uma das grandes ferramentas do humor, já elencadas por estudiosos da narrativa e que é tão bem realizada nessa história em quadrinhos. Por isso, ela tem o potencial de agradar não somente as crianças que não serão papadas por monstros, como para quem tem uma criança dentro de si (e não precisou papar ninguém pra isso).

COMO FAZER MANGÁ, VOL. 2, DE RAONI MARQS

Como Fazer Mangá, de Raoni Marqs é imensamente divertido, enquanto a gente aprende a fazer mangá. Acompanhamos Maru, Emi e Gori em sua aventura para aprender a fazer quadrinhos em uma renomada escola de mangás. Enquanto no primeiro volume os três quebravam a cabeça para iniciar sua jornada no mundo dos mangás, nesse aqui eles aprendem as particularidades da linguagem do mangá, que é diferente da linguagem do comic, do quadrinho franco-belga, do quadrinho italiano, e assim por diante. Eu, como muito leigo nos assuntos mangá, aprendi que uma das bases dessa linguagem do quadrinho japonês é o exagero, seja no que é intenso, seja no que é calmo. Mas não são só as lições sobre mangás que fazem essa publicação valer cinco estrelas. É também a narrativa que Marqs nos envolve, usando a jornada dos personagens, com personalidades bastante diferentes, para aprendermos junto com eles, de uma maneira extremamente lúdica e divertida, como fazer um mangá. Ótimo!

COMO PEDRA, DE LUCKAS IOHANATHAN

A pedra do título desta história em quadrinhos pode significar tanto o fardo que a família tem de carregar com uma filha que não fala e não se mexe sozinha na aridez do sertão nordestino, como também à pedra do sacrifício, tão referenciada na Bíblia, em que o significado do sacrifício é o mesmo da libertação. Isso se reflete no culto messiânico que visita essa família e que pede para que a menina seja sacrificada em nome de um bem maior. Cultos messiânicos, como em Canudos, são muito populares no Brasil e mais recentemente estão ligados a figuras da extrema direita política. Eles sempre exigem sacrifícios e nunca são sacrifícios deles. São os sacrifícios das liberdades e das vidas alheias. Como Pedra, de Luckas Iohanathan mostra que o peso da pedra para uma família que parece viver com um “fardo” pode ser pior se esse “peso” for retirado deles, pois ele é aquilo que dá sentido para suas vidas. Como na canção dos The Hollies, popular nos anos 60/70, parece nos dizer “He ain’t heavy, he’s my brother”, e neste quadrinhos parece anunciar “ela não é um fardo, é a minha filhinha”, de uma forma pungente, seca e cortante como o clima do sertão.

DYLAN DOG: JOHNNY FREAK, DE TIZIANO SCLAVI, ANDREA VENTURINI E GIAMPIERO CASERTANO

Dylan Dog: Johnny Freak talvez seja a história mais clássica do Detetive do Pesadelo da Bonelli. Talvez também seja a melhor história do personagem que mistura emoção com o terror em forma do mistério e do desconhecido. Este encadernado em cores da Panini Comics Brasil traz também as duas histórias que abordam o personagem Johnny Freak em um formato maior e em capa dura. uma apresentação diferente das apresentações anteriores de Dylan Dog que foram trazidas em preto e branco e em papel jornal pelas editoras Record e Conrad. É impossível não se sentir tocado pelos baixos e baixos do pobre Johnny que, a princípio parece um paraplégico e deficiente auditivo de nascença. Mas o terror que se esconde em suas memórias e que descobrimos ao lado de Dylan Dog é muito, muito pior. Ao mesmo tempo, Johnny é uma virtuose nas artes plásticas e na música, fato que vai gerar ainda mais ódio naqueles que querem seu mal. Duas histórias que são muito interessantes de se acompanhar principalmente se tratando de um personagem acostumado com dilemas sobrenaturais enfrentando cenas de horror bastante “naturais”.

FILOSOFIA DO MAMILO, DE KAEL VITORELO

Vinha aguardando ansiosamente esse trabalho de Vitorelo desde que se chamava “Semiótica do Mamilo”. Embora semiótica seja um termo mais preciso, quem hoje em dia que não é acadêmico sabe o que é semiótica? Então coube a Filosofia, que além de um questionamento da realidade, também significa um estilo de vida. E é isso que este trabalho de Vitorelo traz: um baita questionamento do cistema e da heteronormatividade que é capaz de deixar muitas cabeças bugadas se elas tentarem ler com olhos conservadores. Também é uma forma de mostrar, a partir de recortes biográficos, como foi o processo de mastectomia de autore, que é uma pessoa não-binária, o que causa entraves na legislação e na forma como a psicologia está amparada não apenas no Brasil como no mundo. As leis e a medicina ainda precisam evoluir muito para entender as dissidências de gênero e Filosofia do Mamilo é uma prova disso. Eu queria ver mais semiótica no trabalho de Vitorelo, falando mais sobre os sentidos e significados do mamilo, mas gostei muito do que li, uma obra com certeza revolucionária não só para o universo dos quadrinhos mas também para quem estuda ou busca entender as mais diversas expressões de gênero. Por mais estudos de semiótica e de gênero nos/com quadrinhos assim desse jeitinho que é Filosofia do Mamilo!

GO GO POWER RANGERS, VOL. 1, DE RYAN PARROT, DAN MORA E RAUL ANGELO

Eu fui um grande fã de Power Rangers antes de conhecer os X-Men e ser totalmente fisgado pelo universo dos super-heróis. Então fui conferir a elogiada fase de Ryan Parrot e Dan Mora na equipe de defensores da Alameda dos Anjos que agora está sendo publicada pela IndieVisível Press. Realmente o quadrinho não decepciona e tem um nível mais alto que a maioria dos gibis atuais da Marvel e DC Comics. Isso porque ele foca no relacionamento entre Jason, Billy, Zack, Kimberly e Trini mais do que nas lutas com os bonecos de massa ou com as titânicas lutas entre kaijus e megazords. Parece que somos amigos desses personagens faz tempo. Ou melhor, que estamos resgatando uma amizade de anos e que temos muito assunto a colocar em dia. Não é de se estranhar que Dan Mora se tornou um dos mais celebrados desenhistas da atualidade a partir de seu trabalho aqui em Go Go Power Rangers, porque é um deleite acompanhar sua arte e narrativa. Assim como me empolguei neste primeiro volume, estou ansioso para curtir mais um volume desta série com o que Parrot preparou para a dinâmica da equipe e para as artimanhas de Rita Repulsa para destruir a Terra.

GROOT: DESENRAIZADO, DE DAN ABNETT E DAMIAN COUCEIRO

As últimas HQs que trazem Groot como protagonista têm encarado o personagem de forma bastante infantilóide. Mas esta aqui é diferente, porque é escrita por um dos responsáveis por trazer o Groot para os Guardiões da Galáxia e desenvolver sua versão contemporânea, Dan Abnett. Ao lado dele, nos desenhos, temos Damian Couceiro, que manda muito bem no traço , com um estilo limpo e ao mesmo tempo com textura de pincel. O divertido da história é que ao mesmo tempo que conhecemos o Ano Um de Groot, também entendemos como se deu o seu primeiro encontro com outro super-herói da Marvel. No caso o Capitão Mar-Vell, dos kree. Cada um dos quatro capítulos dessa curta história consegue nos fazer submergir na trama de uma forma que poucas histórias conseguem nos envolver. Um grande trunfo da dupla Abnett e Couceiro que, apesar de trazer uma versão baby de Groot, não tratam a trama como se fosse voltada também para babies, como fizeram outros autores. Temos bastante ação, mistério, diálogos legais e uma conclusão satisfatória para todos que nos faz querer mais de Mar-Vell e de Groot.

MANUAL DO AMOR: UM GUIA SOBRE EMOÇÕES E RELACIONAMENTO PARA TODAS AS PESSOAS, DE ALEX NORRIS

Quem dá de cara com o formato e a simplicidade do desenho de autore queer Alex Norris não consegue se dar conta da genialidade que este Manual do Amor contém. Esta publicação em quadrinhos, que foi lançada primeiro em digital, traz não apenas um texto acolhedor e sensível, mas também apresenta essa jornada sobre o amor através de gags visuais que nos fazem gargalhar. Não é apenas a forma como e autore traz a narrativa visual das sequências de quadros, mas também as brincadeiras que realiza dentro dos quadros, levando sempre em conta a mensagem que o texto quer passar. São diversas camadas: as dos textos, as dos quadros, as das formas geométricas, das cores, que juntas desenvolvem um suprassiginificado e provocam identificação, um sorriso e nos casos mais extremos uma explosão de risadas. Li parte deste livro na praça de alimentação do shopping e certamente as pessoas deveriam se perguntar por que eu estava rindo tanto. E além disso, Manual do Amor é um ótimo guia para a vida, para você dar uma olhada quando achar que não está fazendo algo certo em seus relacionamentos.

NÃO É A ISRAEL QUE MEUS PAIS PROMETERAM, DE HARVEY PEKAR E J.T. WALDMAN

É impossível assistir aos atos de Benjamin Netanyahu e toda a sua escalada bélica no Oriente Médio sem se comover com o número de mortos que essa guerra religiosa e identitária causa. Mas para entender as causas, mesmo que irracionais, de toda essa morte e destruição, recomendo fortemente ler Não é a Israel que Meus Pais Prometeram, de Harvey Pekar, criado por judeus marxistas e sionistas. Pekar é um grande nome dos quadrinhos undergrounds estadunidenses, mas com pouquíssimo material traduzido para o Brasil. Neste quadrinho, que funciona como um documentários sobre as guerras por Israel e o passado dos judeus, mas também como uma autobiografia de Pekar relacionada ao sionismo, entendemos como uma pessoa criada para adorar o estado de Israel passa a militar contra ele. Este quadrinho foi publicado em 2012 nos EUA e após a morte de Pekar, em 2010. A minha geração e a geração dos meus pais cresceram ouvindo notícias sobre uma inacabável guerra entre israelenses e palestinos, eu imagino o que Pekar pensaria sobre a ditadura de Netanyahu e suas ambições bélicas, étnicas e econômicas sobre o Oriente Médio e quanta revolta não sentiria. Um baita quadrinho educativo sobre como a guerra é uma coisa insensata e como as nações são apenas lendas, contos imaginados por humanos.

O FANTASMA DA ÓPERA EM SÃO PAULO, DE LARISSA PALMIERI E AL STEFANO

Foi uma ótima ideia da roteirista Larissa Palmieri e do desenhista Al Stefano em trazer para São Paulo e abrasileirar a história do clássico musical O Fantasma da Ópera que também se passa durante a época da alardeante Semana de Arte Moderna de 1922. Além disso, une-se o fato de a protagonista da história em quadrinhos ser uma mulher negra, o que amplifica o fato de as pessoas daquela época sentirem inveja e aversão em razão de ela ter uma linda voz. Também somos colocados no meio de um triângulo amoroso entre a cantora revelação, o herdeiro que era amigo de infância e o “anjo” que ensinou à nossa protagonista tudo que sabe sobre o uso de sua voz. Os desenhos de Al Stefano dão à história um clima teatral e steampunk, talvez que desse uma impressão mais expressiva e atemporal para a narrativa visual deste quadrinho. Com vários elementos brasileiros se mesclando à uma clássica trama de musicais é fácil dizer que Larissa e Al conseguem retrabalhar essa história e apresentá-la de forma eficaz para jovens e novos leitores de O Fantasma da Ópera.

OITO BILHÕES DE GÊNIOS, DE CHARLES SOULE E RYAN BROWNE

Oito Bilhões de Gênios, um trabalho de Charles Soule e Matthew Browne para a Image Comics foi adquirido pela Amazon Prime para se tornar série de televisão. Também pudera, na minha opinião é o melhor trabalho do roteirista que passou por personagens da Marvel e de Star Wars. O que aconteceria se quando a Terra atingisse oito bilhões de habitantes todos eles ganhassem um gênio com um único pedido a ser realizado? Tudo pode acontecer e, com o ardor, o sofrimento e a ganância do ser humano, o mundo pode se transformar radicalmente. Focado em oito personagens iniciais, Soule e Browne nos submergem em uma narrativa instigante, divertida e inconsequente, revelando o cerne daquilo que é ser humano: pensar em sobreviver no porvir. Mas enquanto alguns pensam de maneira individual, outros pensam no coletivo, mas qual dessas maneiras de desejar pode salvar e redimir a humanidade das ações que ela mesma acarretou? Este quadrinho está cheio de reviravoltas e certamente você não vai conseguir se desgrudar da sua leitura até entender toda a história. Sensacional!

QUARTETO FANTÁSTICO: MOLÉCULAS INSTÁVEIS, DE JAMES STURM E GUY DAVIS

Como é possível entender que uma história em quadrinhos tão boa quanto Moléculas Instáveis demorou mais de vinte anos para ser publicada no Brasil? Não sei explicar. Mas temos que comemorar que esse trabalho tão interessante de James Sturm, Guy Davis e companhia finalmente pode ser acessado pelos brasileiros. A proposta dessa HQ é a de contar a “história real” das pessoas que inspiraram os quadrinhos do Quarteto Fantástico. O resultado é uma trama com teor alternativo ou indie que se passa nos anos 1950. Outra ideia é convencer o leitor de que tudo aquilo aconteceu realmente, já que na história não temos nenhum poder fantástico ou uniformes de super-heróis. Temos sim a personalidade dos personagens trabalhados de uma forma “mundo cão” como fazem Clowes, Tomine, Brown e tantos outros que tiveram seu auge entre os anos 1990 e 2000, época em que Moléculas Instáveis foi publicada. Então esse é um quadrinho que não fica devendo em nada para esses criadores ao mesmo tempo que tem aquele gostinho especial por ser uma tentativa de trazer veracidade para uma família que teria realmente existido e inspirado Lee e Kirby (eles mesmos participam da história) a criar o Quarteto Fantástico da Marvel.

STAR WARS: DOUTORA APHRA, VOL. 6: ASCENDENTE, DE ALYSSA WONG, MINKYU JUNG, NATACHA BUSTOS E RACHELLE ROSENBERG
O quadrinho da Doutora Aphra é um quadrinho mainstream que é especial para as pessoas queer. Acho que é o único quadrinho em bancas pela Panini Comics que traz uma protagonista lésbica. Além disso, nele temos romances bissexuais, gays e também temos pessoas não-binárias. Isso é obra de Alyssa Wong que tem feito uma ótimo trabalho nesse quadrinho, embora ele tenha sido encerrado nos Estados Unidos, restando somente um volume para ser trazido ao Brasil. Wong consegue envolver o leitor com os personagens e a trama a ponto de, como os demais personagens da revista, se importar com a antiética, fria e traidora protagonista deste título. Os desenhos não são realmente o forte da série de Aphra, nem era quando Kieron Gillen ou Simon Spurrier escreviam o título. Por outro lado, foi o único título de Star Wars que continuo acompanhando porque vale muito a pena, não apenas pelo fanservice queer. Espero que na nova fase de Star Wars nos Estados Unidos ela receba um novo volume, porque Aphra é uma daqueles personagens que a gente adora odiar.

TERRA LIVRE: UM CONTO DA CRUZADA DAS CRIANÇAS, DE NEIL GAIMAN, ALISA KWITNEY, JAMIE DELANO, PETER GROSS, MARK BUCKINGHAM, CHRIS BACHALO E OUTROS

Fazia tempo que não lia um quadrinho que me envolvesse e encantasse tanto. E nos últimos dias, com todo esse desastre na minha cidade e no meu estado, tenho me animado pouco para ler qualquer coisa. Este quadrinho conseguiu me transportar para outro mundo, o de Terra Livre, onde são levadas crianças que foram capturadas em diversos momentos da história, remontando a Cruzada das Crianças e o Flautista de Hamelin, por exemplo. A HQ tem um tom fantástico e de terror ao mesmo tempo, bem ao estilo de Sandman, principalmente por ser capitaneada por Neil Gaiman em seus roteiros. Ela envolve diversos personagens infantis da Vertigo: Os Garotos Detetives Mortos, Tefé, de o Monstro do Pântano, Maxine, de Homem-Animal, Tim Hunter, de Os Livros da Magia, Suzi, de Orquídea Negra e Dorothy, da Patrulha do Destino. Traz também alguns personagens novos como o temível Jack Lebre, um coelho antropomórfico bizarro cujos planos são trazer todas as crianças do mundo para Terra Livre e destruir quem sobrou, ou seja, os adultos. Um quadrinho encantador e aterrorizante ao mesmo tempo. Gostei muito.

TEX WILLER ESPECIAL, VOL. 4: MEFISTO, A ORIGEM DO MAL, DE MAURO BOSELLI E ROBERTO DE ANGELIS

A série Tex Willer Especial tem rendido boas histórias. Uma exceção que confirma a regra foi a edição anterior, no primeiro encontro com Zagor. Já este número quatro traz a origem do nêmesis, do arquiinimigo de Tex, o mágico demoníaco Mefisto. É muito interessante que os artífices da história começam ela com Steve Dickart visitando um freak show, um show de maravilhas, um circo de vaudeville, chame como quiser, enfim, um parque de diversões mambembe bastante comum no século XIX. É lá que ele inicia sua epopeia para se tornar um dos mais ameaçadores e poderosos homens a cruzar o caminho do cowboy da Bonelli. Mas mais interessante que Steve Dickart é sua irmã Lily, uma escroque de mão cheia, que desde sua primeira aparição na trama já mostra a que veio. E as artimanhas de Steve e Lily Dickart vão surpreender não somente os leitores, mas todos aqueles que cruzarem seu caminho, sejam aliados ou obstáculos. E um dos pontos positivos da trama também é que Boselli e de Angelis conseguem contar toda a história de Mefisto fazendo com que Tex Willer só apareça na página final.

Guilherme “Smee” Sfredo Miorando é roteirista, quadrinista, publicitário e designer gráfico. É Mestre em Memória Social e Bens Culturais, Especialista em Imagem Publicitária e Especializando em Histórias em Quadrinhos. É autor dos livros ‘Loja de Conveniências’ e ‘Vemos as Coisas Como Somos’. Também é autor dos quadrinhos ‘Desastres Ambulantes’, ‘Sigrid’, ‘Bem na Fita’ e ‘Só os Inteligentes Podem Ver’.
Foto: Iris Borges

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