Deivison Campos: É preciso fazer mais. Bem mais!

“A representatividade é suficiente para dar conta de um efetivo processo de inserção de negros no mercado editorial?”

Edição: Vitor Diel
Arte: Giovani Urio sobre reprodução

Uma pesquisa apresentada pelo Instituto Identidades do Brasil no dia 5 de outubro em evento em São Paulo apresentou um dado que dá conta de toda a desigualdade existente no país. Caso políticas públicas e privadas de impacto não sejam adotadas imediatamente, os negros levarão 167 anos para alcançar a igualdade racial no mercado de trabalho. Considerando que estamos a 135 anos da Abolição legal, a superação de suas consequências levará ainda mais décadas de nossos dias do que o tempo que temos resistido ao projeto de desaparecimento simbólico e físico dos negros nesse país.

Tenho pensado muito sobre a questão nos últimos tempos em que se reivindica ainda um mínimo de representatividade nas mais diferentes áreas de produção simbólica, o que se estende ao jornalismo e à literatura. Uma rápida passada nas imagens das redações da Capital e do Estado, observa-se que o imaginário de sermos herdeiros de ítalos e germânicos se mantém intacta. Mesmo que se discuta diversidade, esta se realiza mais por discurso do que por práticas. A manchete estampada na revista Imprensa de setembro de 2001 mantém-se atual, apesar do jornalismo falar do factual e não do futuro: “Jornalismo é coisa de Branco”.

A falta de diversidade não resulta somente na exclusão de profissionais do mercado. Tem igualmente como consequência o reforço do daltonismo racial – conceito proposto por Cida Bento que aponta para a não percepção da onipresença de brancos nas instituições, no caso as mídias. A cobertura igualmente mantém um discurso de pluralidade no qual a branquitude, enquanto relação de poder, antecede até mesmo a linha editorial dos veículos, como propôs Amanda Iegle num estudo de entrada sobre um de nossos portais de notícia.

Não é possível falar em imparcialidade enquanto a forma de se olhar para o mundo é única e o que se olha do mundo é restrito. São nessas indiferenças que o pacto narcísico – veja também Cida Bento, se renova e fortalece. Não é muito diferente do que ocorre no mercado editorial. Apesar das livrarias estarem cheias de publicações de pensadores negros, muitas delas são novidades de cinco décadas – como os textos de Lélia Gonzales e Abdias, por exemplo. Nesse movimento, surgem oportunidades e espaços para alguns pensadores e escritores contemporâneos, mas ainda incerto se como onda, ou permanência.  

No mês em que se prepara a realização da 69ª edição da Feira do Livro de Porto Alegre, da mesma maneira, torna-se necessário pensar o lugar dos escritores não brancos na tradicional festa do livro. O questionamento levantado de forma muito pertinente pelo poeta Ronaldo Augusto em 2016 produziu avanços em representatividade, mas é necessário avançar. A representatividade é suficiente para dar conta de um efetivo processo de inserção de negros no mercado editorial? Quais projetos e tensionamentos os poderes públicos e mesmo à Câmara do Livro produziu para fomentar o movimento literário entre as comunidades periféricas e especificamente as diferentes mobilizações negras em torno da produção literária?  

As respostas ainda estão no devir. No entanto, a próxima edição da feira apontará perspectivas de seus organizadores e do mercado editorial para o projeto de diversidade ao qual estão dispostos. Afinal, a pesquisa do Instituto Identidades do Brasil escancara a demanda por políticas afirmativas efetivas em todas as áreas, o que não exclui a economia criativa. Representatividade importa, claro, mas não é suficiente. É preciso fazer mais. Bem mais!

Bento, Cida. O pacto narcísico. São Paulo: Cia das Letras, 2022.

Campos, D. M. C. de, & Tech, A. I. (2022). A cobertura sobre o racismo no site GaúchaZH durante o mês da Consciência Negra. Revista Espaço Acadêmico, 21, 65-81. Recuperado de https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/58356

Revista imprensa. https://portalimprensa.com.br/revista_imprensa

Deivison Moacir Cezar de Campos é jornalista, doutor em Ciências da Comunicação e doutorando em História. Professor do PPG em Educação e dos cursos de Comunicação da Ulbra. É pesquisador vinculado aos grupos de Comunicação e Mídia da ABPN; Estéticas, Políticas do Corpo e Gênero da Intercom. Integra o Coletivo Casa de Joana – afro-empreendedorismo e cultura negra, e é conselheiro de Cultura de Canoas. Ritmista da União da Vila do Iapi, cultiva um amor tátil pelos livros.

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