Foto: Pedro Heinrich/CRL
Uma das mais potentes e delicadas poetas brasileiras, Maria Carpi constrói, em sua obra, os entrelaçamentos necessários para a valorização do que há de mais subjetivo e sensível na vida. Nascida em Guaporé, em 1939, Maria é hoje uma das mais admiradas e respeitadas escritoras do Rio Grande do Sul. Patrona da Feira do Livro de Porto Alegre de 2018, lançou seu primeiro livro em 1990, já na maturidade: tempo este que ela legitima com a ideia de amadurecimento do fazer poético. “Foi a poesia que esperou por mim”, explica.
Nesta entrevista exclusiva, realizada por email, a escritora fala sobre os seus caminhos, seus afetos e sua weltanschauung. Confira!
A senhora estreou na literatura aos 50 anos. Por que a espera? O que houve, afinal, foi uma espera?
Cada poeta tem o seu ritmo que é a sua respiração com o mundo. Sempre digo que todos merecemos ser poetas, mas nem todos necessitam escrever poesia, a grande disciplina. A disciplina do devaneio. Eu queria ter alcançado alguns núcleos poéticos e isso necessitou de amadurecimento. Foi ela, a poesia que esperou por mim. Num poema do livro Tudo o que é belo é efêmero (Editora Belas Letras, 2017), assim digo:
A poesia esperou por mim.
Eu, mestre em atalhos e veredas,
deixei-a sem pistas de meu hálito
e, mesmo assim, ela farejou
por mim, intensificando narinas
a me desentocar. Eu, catadora
de ciscos, fungando estrelas
dos entulhos, driblando o sol
com as crinas de minhas noites
e mesmo assim, ela aguçou
as papilas a me estalar a língua.
Eu que a dispensei da exígua
carne, que a desfibrei da efêmera
árvore e mesmo assim, ela aguardou
pelo resto de mim na peneira,
com o lodo escorrido das faces.
Uma gema imperceptível a olho
nu foi-lhe suficiente e apesar
da dublagem da letra e do ritmo,
por longo tempo éramos o rosto
do papiro desenrolado das águas.
Carlos Drummond de Andrade escreveu: “Penetra surdamente no reino das palavras / Lá estão os poemas que esperam ser escritos”. Para você, a poesia nasce da palavra ou do afeto?
Belo Drummond, de ferro. A poesia entrelaça a sensibilidade e a razão. Com ambos nasce a poesia. Se faltar sensibilidade, o poema não tem razão de existir.
A poesia e o poeta têm algum compromisso político ou social?
A poesia quer – e pode – reconstruir o paraíso terrestre, onde o bem comum prevalece aos antagonismos e divergências.
Onde a senhora deposita a sua fé?
Em meu livro de ensaios, Abraão e a encarnação do verbo, afirmo que “a fé é a disponibilidade de exercer o bem”. Não importa a crença e a cor da pele. Somos irmanados pelo exercício do Bem e da Verdade.
Como a senhora vê o Brasil e o mundo em 2019?
A Humanidade sempre esteve a caminho. E o caminho tem os seus reveses, malogros e desatinos. Ao Brasil, inserido no Mundo, cabe persistir, persistir, persistir.

Tudo o que é belo é efêmero
Maria Carpi
100 pp.
14 cm X 21 cm
978-85-8174-399-8
R$ 34,90
Modelo de Nuvem/Belas Letras
E verdade, “A poesia entrelaça a sensibilidade e a razão. Com ambos nasce a poesia”. Chesterton disse-o em outros termos: “poesia sem filosofia é flatus vocis”, isto é, mera emissão de voz, ou vento. O conteúdo significativo na forma adequada produz o prazer estético, misto de sensibilidade e racionalidade, ato do “sentido inteligenciado” (J. Tobias) exclusivo dos seres humanos. Parabéns para a entrevistada. José Nedel.
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Maria Carpi, sempre nos fazendo refletir!
Nos leva com suas metáforas pelos caminhos de descobertas em um finfinito de encontros…
Um longo abraço para ela
Izabel
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